Novo filme da Netflix vai te manter preso ao sofá e com os olhos grudados na TV por 90 minutos Nattida-Jayne Kanyachalao / Netflix

Novo filme da Netflix vai te manter preso ao sofá e com os olhos grudados na TV por 90 minutos

Tornou-se quase regra, quiçá “a” regra, em filmes de suspense se lançar mão de uma estrutura fundada em reviravoltas entre inesperadas e artificiais, marcadas por variações de tensão muitas vezes cansativas, um zigue-zague meio capenga da história e, por natural, os onipresentes jumpscares, os sustos que muitas vezes fazem o espectador pular da cadeira, sim, mas de raiva. O belga Steffen Geypens usa todos esses recursos — e inúmeros outros — a fim de despertar o interesse do espectador e mantê-lo convenientemente aceso até o desfecho de “O Som do Caos”, hora e meia depois, mas entende muito bem que, como a receita para aborrecer é dizer tudo, deve muito mais sugerir que dar por sacramentadas algumas possíveis verdades insofismáveis desse seu trabalho, tanto no que concerne à forma como ao diz respeito a seu potente conteúdo.

Geypens inclui no roteiro, escrito em parceria com Robin Kerremans e Hasse Steenssens, elementos da sociedade contemporânea para falar de arcaicos medos, que vão se tornando mais e mais evidentes à medida que a história toma corpo. A nova moda de influenciadores cibernéticos, mantenedores de perfis em redes sociais que contam com centenas de milhares de seguidores, vem a calhar numa trama que propõe questionar a complexidade e a frágil solidez das relações humanas, mesmo as mais íntimas. Matthias, um homem aparentemente comum — a despeito de a todo momento sacar o telefone para registrar episódios do convívio com a namorada Liv, de Sallie Harmsen, e Julius, o filho pequeno —, desmancha a olhos vistos diante do vigor da realidade, deixando a nu a impostura da torre de marfim em que se encastelou. A mudança recente para uma mansão suntuosa desvia o olhar do público do que de fato tem relevância, e o diretor dá toda a substância dramática necessária para que Ward Kerremans faça seu anti-herói crescer. As conversas cada mais vez atravessadas com Liv; a presença meio inoportuna de Timme, o melhor amigo vivido por Jesse Mensah; a realidade paralela das falsas interações do universo digital, quase tudo na vida de Matthias oscila entre o efêmero e o suspeito, e esse é o mote usado por Geypens para investigar com ainda mais fôlego o desajuste de seu personagem central.

“O Som do Caos” envereda por um segundo ato mais explícito, que começa a dispor as cartas na mesa, conforme se assiste à elaboração da subtrama protagonizada por Matthias e o pai, Pol, que mesmo debilitado por um Alzheimer progressivo e implacável, parece o esteio de uma família que nem se consolidou. A participação de Johan Leysen, até um encerramento pouco surpreendente, mas de qualquer modo arrebatador, justifica as dúvidas que se foram avultando sobre a estranha perfeição por trás das paredes daquela casa e daquelas vidas, sem lugar para o mundo real.


Filme: O Som do Caos
Direção: Steffen Geypens
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10