Filme com Chris Hemsworth na Netflix para esquecer os problemas e desligar o cérebro Divulgação / Sony Pictures

Filme com Chris Hemsworth na Netflix para esquecer os problemas e desligar o cérebro

No fundo, o homem sonha com aquelas criaturas completamente estranhas a seu prosaico cotidiano, sobrenaturais ou pouco menos etéreas, as que vagam por este mundo e as que se atrevem a subverter a tênue lógica da vida e se lançam a povoar a imensidão acintosa do universo, esse ambiente plural, entre metafísico e de uma concretude abusiva, que alguém, espertamente, já tratou de rebatizar empregando outro sufixo. As distâncias intransponíveis do multiverso hão de continuar como um perturbador estímulo à audácia salvífica e diabólica do gênero humano; contudo, mais avançamos no tempo, mais a ciência aponta chances cada vez mais palpáveis de não estarmos mesmo sós, nem na via Láctea, com seus 4760 planetas dispostos ao longo de 3519 sistemas, e tampouco nas outros cem bilhões de galáxias estimadas por nossos valentes astrônomos. A impressão que resta é que estamos realmente, a exemplo do protagonista de “À Espera dos Bárbaros”, poema do greco-alexandrino Konstantinos Kaváfis (1863-1933), ansiando pelos redentores extraterrestres de nossa vã humanidade, predicado que nos leva aos atos heroicos que equiparam-nos a deuses de barro num Olimpo decaído ou às insânias de que passamos a nos arrepender até a morte.   

O cinema se apropria à perfeição desse nosso anseio por tudo quanto não temos, não somos e jamais e iremos ser e lhe dá a forma de histórias ambivalentes, em que muito do que se vê entra na conta do fantástico, ao passo que também se denota do que é exposto a supina inclinação a um realismo meio torto, mas ainda assim pleno de lances certeiros, que se apreciados à luz do simbolismo mais refinado, da metáfora menos óbvia e mais abrangente, decerto oferecer-nos-á algumas das respostas que procuramos tanto. F. Gary Gray especializou-se em dirigir produções voltadas ao absurdo da vida como ela é, repleta de suas situações tão improváveis quanto planejadas. “MIB: Homens de Preto — Internacional”, o quarto filme da franquia sobre alienígenas que cobiçam a Terra e agentes vestidos a rigor para combatê-los, demonstra que enredos como esse soem cair no gosto do público, por mais fantasiosos que pareçam — ou exatamente por isso.

Na última sequência ancorada pelos Homens de Preto, vão surgindo elementos decisivos quanto a estabelecer uma sensível diferença no que se pôde capturar da trama até aqui. Os roteiristas Art Marcum, Lowell Cunningham e Matt Holloway aposentam a dupla de marmanjos Jay e Kay e substitui a alegria espontânea e meio pueril de Will Smith e a icônica carranca de Tommy Lee Jones por um casal de agentes, que embora nunca venham a correr um para os braços da outra, dão à audiência a nítida sensação de que só esperam que os créditos terminem de subir, as luzes se apaguem e as câmeras sejam desligadas para, enfim, terem seu momento romântico. O Agente H de Chris Hemsworth aparece sempre meio perdido, com aquele semblante de maior abandonado, mesmo que instado a concluir sua missão numa Paris pós-apocalíptica, diante de uma Torre Eiffel desglamurizada. É preciso se sacar de uma dose bastante generosa de licença poética para acompanhar o que vem a seguir, momento em que Gray retrocede duas décadas e traz à narrativa a figura de Tessa Thompson, que rompe o casulo de Molly, a menininha frágil vivida por Mandeiya Flory, e passa a ser conhecida como a Agente M, obcecada pelos relatos de seres pluricelulares, inteligentes — e desabridamente belicosos — que habitam os planetas que nos cercam.

A personagem de Tessa Thompson chega à história na hora certa, apesar do diretor sentir a necessidade de respaldá-la na presença menor de Emma Thompson como uma tal Agente O, o que sugere que Molly jamais teria competência para integrar a força MIB por seus próprios méritos. A propósito, esse pseudodiscurso feminista, eivado do politicamente correto mais rasteiro, não é capaz de se sustentar, uma vez que Gary, lastimavelmente, ventila piadinhas sexistas que passam em branco por ouvidos destreinados, mas ferem a inteligência e o senso artístico de qualquer um.

Melhor mesmo é concentrar no anticasal de Tessa e Hemsworth, sem falar no adorável monstrinho Pawny, esse, sim, um sincero defensor do feminismo, criado pela computação gráfica muito bem valorizada pelas mãos de Christian Wagner e Zene Baker. O desfecho indica que H e M — não sei se se trata de um golpe nem tão subliminar de publicidade… — passarão da Cidade Luz para Londres, mas, francamente, este seria um final mais que razoável para filmes já datados, ainda que continuem despertando bons sentimentos junto a seus iniciados.


Filme: MIB: Homens de Preto — Internacional
Direção: F. Gary Gray
Ano: 2019
Gêneros: Ficção científica/Comédia/Aventura/Ação
Nota: 7/10