Suspense na Netflix vai te deixar com o coração na boca Divulgação / Concorde Filmverleih

Suspense na Netflix vai te deixar com o coração na boca

Desde o princípio dos tempos, a história do homem se orienta pelas conquistas que é capaz de alcançar, e conquistas, quase sempre, só vêm acompanhadas de planejamento, estratégia, trabalho e atrito. Em diversos momentos, foi graças a uma dose generosa de fraqueza diplomática e fricção política que a humanidade pôde conhecer seus grandes heróis, homens e mulheres que se tornaram personalidades depois de um desempenho de coragem incomparável ao longo de uma série de choques entre exércitos. Como o homem não sabe querer, nem de que maneira, o cheiro de pólvora queimada e o fragor do aço dos canhões ainda estalando prevalecem sobre uma boa conversa, e o que se vê é um macabro banho de sangue que, não raro, tem início por causa de mal-entendidos que mais parecem saídos de uma comédia pastelão ruim. Os Estados Unidos nem pensavam em se tornar a potência que são hoje em 1823, pouco menos de cinquenta anos depois de sua fundação. Território ocupado por uma massa amorfa de povos — britânicos, franceses, holandeses e espanhóis — até o século 17, o que se denomina genericamente de América começou de uma maneira acanhada, só sendo reconhecida como nação à luz da história em 1783, passados sete anos da independência, a 4 de julho de 1776, com a assinatura do Tratado de Paris. Malcomparando, o Brasil levou apenas três anos para ser declarado oficialmente autônomo de Portugal, em 1825, mediante o Tratado de Paz e Aliança.

A vocação americana para a grandeza é uma espécie de obsessão da indústria cultural, como resta patente em seus Super-Homens e Homens de Ferro, personagens que foram sendo promovidos a guardiães da honra e da moral ianques, desde sempre ocupando tirinhas em jornais de grande circulação, páginas de gibis e desenhos animados, até chegarem à magnificência do cinema, com seus ecrãs gigantescos, ainda mais fascinante quando tomados por essas figuras, híbridos da humana fraqueza atenuada por um vigor físico descomunal e um caráter inquebrantável. “Fúria em Alto Mar” não têm protagonistas que enxergam através das paredes ou têm dinheiro o bastante para torrar em mirabolantes projetos de combate ao crime — pelo menos não sem contar com o auxílio de aparelhos de última geração ou o respaldo dos poderosos de turno —, mas mesmo assim Donovan Marsh deixa claro que o que se vai ver em seu filme é uma sucessão de eventos algo fantasiosos, com crises mediadas por tipos de um heroísmo entre o apocalíptico e o farsesco.

Gerard Butler fica bem em papéis que congregam virilidade e um certo desprezo pela estrita observância de métodos, principalmente em situações de logística   dificultada por contratempos alheios a sua jurisdição. Aos poucos, o roteiro de Arne Schmidt e Jamie Moss, baseado em “Firing Point”, o relato fortemente militarista de George Wallace, comandante aposentado da Marinha dos Estados Unidos, ao jornalista Don Keith, esclarece o que está acontecendo: um golpe faz cair o presidente da Rússia e, claro, tropas americanas são mandadas àquele país, a fim de resgatá-lo e tentar restabelecer a democracia. Naturalmente, se fosse assim tão fácil o argumento central do longa se perderia e não seriam necessárias duas horas de idas e vindas dentro de um submarino, de onde emanam tensões que vão degringolando em paranoia e terror. Na base americana, o comandante John Fisk, vivido pelo rapper Common, e Charles Donnegan, o chefe do Estado-Maior Conjunto, de Gary Oldman, se digladiam quanto à forma menos traumática de conduzir a questão. Qualquer passo mal calculado teria o condão de fazer eclodir o ressurgimento da guerra fria — o que o público é levado a crer que efetivamente acontece, em especial depois de uma altercação mais exaltada entre os dois altos funcionários.

Cabe ao comandante Joe Glass de Butler apaziguar os ânimos, pensar em soluções viáveis para contornar a sanha assassina dos insurgentes russos e restabelecer o Estado democrático de um país bastante inepto em matéria de respeito a liberdades individuais e zelo com a coisa pública, muitas preocupações para único homem. Glass, entretanto, dá conta do recado, o que reforça a aura de filme-pipoca de “Fúria em Alto Mar”, que deve ser encarado assim, entretenimento despretensioso sobre sujeitos pateticamente megalômanos, de parte a parte. 


Filme: Fúria em Alto Mar
Direção: Donovan Marsh
Ano: 2018
Gênero: Ação
Nota: 7/10