Favorito ao Oscar, filme da Netflix vai tocar sua alma e te manter com os olhos grudados na tela até o segundo final Christopher Barr / Netflix

Favorito ao Oscar, filme da Netflix vai tocar sua alma e te manter com os olhos grudados na tela até o segundo final

Francis Bacon, o fundador da ciência moderna no século 16, era alquimista e rosacruz. Newton, físico e matemático, era teólogo. A ciência nasce para comprovar os fundamentos da fé, mas serviu para desmascarar seus excessos. Impõe-se, com o tempo, como uma nova religião. Ambas andavam juntas na origem, mas formaram duas bolhas inacessíveis que entram em guerra toda vez que se aproximam. Disso trata O Milagre (Sebastián Lelio, 2022), que está na lista da Oscar.

A enfermeira inglesa (Florence Pugh) convocada para vigiar a menina em jejum permanente enfrenta o fundamentalismo de uma aldeia irlandesa. Ela é a investigação científica em busca da verdade, os motivos que colocaram a menina numa situação física terminal por falta de alimento. E a garota acamada é a fé levada às últimas consequências.

O confronto é inevitável e vira guerra declarada até o desfecho dramático, mas com final feliz.

Como o cinema não é filosofia, mas cinema, o filme mostra as duas bolhas como cenários de uma produção da Sétima Arte, exibindo o estúdio e os caixotes no início e no final. Avisa que a fé do espectador depende do esclarecimento da situação. Não estamos na bolha irlandesa, mas num filme. Ficar dentro da narrativa convive com a necessidade de ficar fora dela. Você pode ser católico ou agnóstico, mas não se entusiasme. É apenas um filme. Que mostra uma comunidade que acoberta um crime sob o álibi de estar seguindo Jesus. E uma enfermeira treinada na guerra, aliada a um jornalista de comportamento, inconformada com o mistério do jejum.

O milagre não é o triunfo da fé ou da ciência, mas a decisão a favor da vida, a revelação feita pelo cinema do conflito que se aprofundou no tempo e hoje mostra um mundo em pé de guerra pelo esforço que tanto a fé quanto a ciência fazem para dominar as mentes e a política.

O atraso vem da opção pela morte que o fanatismo faz por meio da ideia da vida eterna. E a solução vem da determinação de agir em favor da criança condenada.

A filosofia cuidava da existência de Deus e também explicava o nascimento do bem e do mal, como em Schelling. Nietzsche decretou a morte de Deus na filosofia, separando as águas misturadas do pensamento. A ruptura mantém uma guerra permanente e só um milagre poderá resolver a questão.


Filme: O Milagre
Direção: Sebastián Lelio
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Mistério
Nota: 9/10