Novo filme de ação da Netflix não vai te deixar piscar por 120 minutos Divulgação / Netflix

Novo filme de ação da Netflix não vai te deixar piscar por 120 minutos

Passar por cima de seus próprios medos; se acreditar-se superior à comodidade de render-se ao caos que o mundo nos oferece; cogitar a hipótese, sedutoramente perigosa, de que a vida é um apanhado das circunstâncias mais absurdas, cada vez mais corriqueiras — o que deveria ser um paradoxo, mas que logo adquire a substância de verdade acachapante e irrespondível —, é só mais uma das evidências de que o existir sempre foi um grande desafio, sem fim, que se basta a si mesmo, que se encerra e se reestrutura em torno de seu próprio eixo, que se retroalimenta e se desenvolve fundado num alicerce de constatações nada românticas sobre ser preciso que o homem desça ao mais fundo de seu espírito, a fim de apreender o cenário em que está inserido e, destarte, consiga ter algum domínio de sua jornada, comporte-se de uma maneira mais ordeira, seja mais disciplinado, menos selvagem, o que muitas vezes se torna um combate inglório já que a natureza humana só faz, guardada a consideração de integrar um contexto de sociedade, refletir a natureza ela mesma, de onde vem todo o ímpeto assassino pela sobrevivência.

Aceitar o mundo como o conhecemos, ao mesmo tempo em que temos a capacidade, e mais, a vontade de rumar para outras vidas, é, talvez, o maior embate que quase todos precisamos travar, primeiro com nossas convicções e fraquezas; depois, com todo o resto do mundo. Não é exatamente fácil tentar corresponder ao que pode esperar de nós todos aqueles que não nos conhecem e assim mesmo arvoram-se em nossos advogados ou juízes, mas é escandalosamente melancólico fazer da vida uma mercadoria vulgar, a ser comprada ao preço mais em conta pelo primeiro que aparecer. Desajustes são especialmente comuns naqueles momentos em que tudo o que se tem é pouco mais que a gana de seguir adiante, em que pesem todas as mais rudes adversidades, mas há quem enverede pelo lado mais obscuro da estrada com tanto gosto que passe a achar-se verdadeiramente credor de tudo o que o mundo tenha a oferecer para que se escape ao tédio.

É este o caso da antimocinha de “Violence Action” (2022), dirigido pelo japonês Tōichirō Rutō. Adaptação em live-action do famoso mangá de mesmo nome, com texto de Shin Sawada e ilustrações de Renji Asai, o filme de Rutō segue a exitosa fórmula de outros premiados trabalhos do gênero, a exemplo do incensado “Chihayafuru: Musubi” (2018), de Norihiro Koizumi. Roteirizado pelo próprio diretor, com a colaboração de Itaru Era, esta é uma trama que preza pelo senso estético. Tudo no filme parece ter sido pensado para capturar o público pelo olhar, incontinente, a começar pela caracterização da protagonista, aparentemente uma garota comum, até meio desprezível, que decerto passa sem maiores traumas por qualquer ambiente — até porque cabelos em cores que a natureza não produz há muito deixaram de ser novidade e não causam mais nada, nem susto nem encantamento. Boa parte do charme de Kei Kikuno, interpretação vigorosa de Kanna Hashimoto, deve-se mesmo à forma como a personagem central desloca-se no ambiente hostil em que é obrigada a estar, uma Tóquio um tanto brutalizada num futuro próximo e sem lugar para os fracos. Este é precisamente o gancho em que Kei se agarra a fim de justificar sua escolha, não sem antes ter padecido um bocado com desilusões amorosas e mortes na família.

Por mais que Rutō trabalhe bem a conceito de vingadora pós-moderna num mundo quase leis, Kei Kikuno é só uma menina tentando sobreviver na selva de pedra do Japão do século 21, com gosto por cores, acessórios extravagantes e que não abre mão de tomar picolés entre uma e outra encomenda. Uma garota docemente perdida, charmosa, mas como tantas que o cinema já produziu. E há continuar produzindo, no Japão ou em Quixeramobim.


Filme: Violence Action
Direção: Tōichirō Rutō
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Drama
Nota: 7/10