Filme na Netflix vai te manter imóvel no sofá e com os olhos grudados na tela por 130 minutos Divulgação / Summit Entertainment

Filme na Netflix vai te manter imóvel no sofá e com os olhos grudados na tela por 130 minutos

Cada um sabe quantos coelhos precisa tirar da cartola para ganhar a vida. Um dos maiores desafios que viver em sociedade implica é descobrir em si mesmo alguma qualidade misteriosa, que nosso próprio espírito indevassável conhece, e fazê-la sentida por todos, mas não de qualquer maneira. É preciso que se chegue com humildade — mesmo que tudo não passe da mais grosseira encenação —, tão pacientemente quanto necessário para convencer quem nos rodeia de que somos, sim, a maravilha que queremos que pensem que somos, sem, contudo, deixar transparecer, e se possível dando a impressão de que não estamos nada interessados no que os outros hão de pensar de nós. Existe um sem-número de expedientes um tanto metafísicos na técnica de vencer as resistências que decerto muita gente vai nos demonstrar sem nenhuma cerimônia, e precisamente nessas ocasiões em que temos de redobrar a atenção para os detalhes da nossa natureza que podem nos ser desfavoráveis, não só por querermos ser aceitos e chamados a frequentar certos ambientes, mas também para, em estando lá, mostrar que merecemos ainda mais. 

Um aspecto menos óbvio em “Truque de Mestre: O Segundo Ato” (2016) é a incansável disposição de seus protagonistas em se fazer destacar a qualquer custo, o que confere uma graça involuntária (e vital) ao filme. Jon M. Chu capta muito bem esse espírito meio junkie de personagens que topam tudo por um momento de sonho, de fuga da realidade ou só por uma boa farra mesmo. À medida que a história toma corpo, se percebe cada vez mais esse propósito do diretor quanto a exaltar a irresponsabilidade, a leviandade, o caráter marginal daquele grupo, mais e mais envolvido com métodos heterodoxos de promover a justiça social, ao mesmo tempo em que se agudiza ao seu redor a imagem de desagregação moral, a que eles não são imunes, claro, mas que conseguem suavizar lançando mão da máxima que defende medidas duras para tempos difíceis. Por trás de tantas misérias, vistas sob as lentes de uma suposta esperteza, restam por virem à tona verdades pouco edificantes sobre um sistema desumano, cuja falência parece iminente.

Os diálogos caudalosos do bem cuidado roteiro de Ed Solomon deixam claro que Dylan Rhodes, o agente do FBI interpretado por Mark Ruffalo, não parece mais tão empenhado em botar atrás das grades o quarteto de charmosos bandidos, destino que o mágico Thaddeus Bradley, de Morgan Freeman, já havia experimentado no desfecho do filme original, de 2013, a cargo de Louis Leterrier. O sentimento de que desta vez os planos da quadrilha vão prosperar sem maiores impedimentos é empanado pela aparição do bilionário Walter Mabry, performance cheia de nuanças de Daniel Radcliffe, determinado a enredar os ilusionistas-criminosos num esquema de captura de dados de dispositivos móveis, o que remete diretamente ao personagem de Freeman, que, agora em liberdade, tem de se preocupar com o cerco de Rhodes, subtrama de mágoa e vingança que fica à deriva e só volta ao leito com alguma força no encerramento, quando se esclarece a verdadeira participação de Bradley no crime. Chu não sente pejo de empregar a fórmula meio batida de dividir o bando em corpo, isto é, tudo o que se puder resolver por meio de charme e sedução, e cérebro, o efetivo comando do grupo. Na primeira turma orbitam Jack Wilder e Lula, papéis de Dave Franco e Lizzy Caplan, enquanto que J. Daniel Atlas, de Jesse Eisenberg, Merritt McKinney, do cada vez melhor Woody Harrelson, preenchem as dois postos da outra frente.

O bilionário Arthur Tressler, participação afetiva e ilustre de Michael Caine, dá fecho à história de uma vingança iniciada no primeiro filme, momento em que as residuais pontas soltas da sequência são ligadas e o enredo como um todo passa a fazer sentido. Representante típico do cinema pipoca, “Truque de Mestre: O Segundo Ato” oscila entre o suspense e a ação sem prejuízo da solidez do mote central, deixando também alguma margem para a comédia — e, como não poderia deixar de ser, para uma terceira produção da franquia, programada para estrear em 2023.


Filme: Truque de Mestre: O Segundo Ato
Direção: Jon M. Chu
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Comédia/Ação
Nota: 8/10