Comédia sombria, louca e cheia de reviravoltas, na Netflix, vai te manter em suspense até o último segundo Divulgação / Matchbox Shots

Comédia sombria, louca e cheia de reviravoltas, na Netflix, vai te manter em suspense até o último segundo

O poder é uma das drogas mais potentes já criadas pelo gênero humano. Universo particular de suas próprias ideias, vontades mais e mais imperiosas, necessidades as mais íntimas, tantas loucas expectativas acerca da vida, o homem, quando investido de poder, se transforma ou, melhor, se revela, permitindo que desabroche uma natureza que ele mesmo nunca conheceu. Evidentemente, todos esses sempre foram elementos da sua própria constituição mais secreta, ainda que ele próprio nunca o vá admitir. Virtudes e defeitos — principalmente defeitos — definem o quão resoluto pode ser alguém cujo grande objetivo na vida se tornou escalar sem descanso a muralha de sonhos mais impublicáveis, todos ligados entre si e afinados, mirando um único alvo. Esse desejo de sair de um lugar que parece menor aos olhos do mundo e atingir o topo, custe o que custar, passa pela cabeça de todo indivíduo; entretanto, só aqueles verdadeiramente obcecados, seduzidos de morte pelos falsos encantos do poder, são capazes de fazer desse projeto tão etéreo uma realidade, perigosamente confortável.

A vida na pós-modernidade não cansa de surpreender, sobretudo quem não acha lugar no mundo desde sempre e sente-se cada vez mais deslocado em meio a tantas invenções para satisfazer mil necessidades que os novos tempos criam. Sentimos o vento da mudança bater-nos ao rosto todo santo dia, com intensidade cada vez maior. Muito dessas inovações se revestem da força da tecnologia, por óbvio, mas é um equívoco pensar que é por estar muito mais cercado de tecnologia, e em todos os ambientes que é obrigado a frequentar, que o homem não alcança mais seu lado vividamente humano, sem dúvida muito mais envolto nas névoas da melancolia que há algumas décadas. O diretor indiano Vasan Bala capta à perfeição a essência de inadequação dessa humanidade dos tempos de agora, em quase tudo estimulada pelo amalgamamento de um estilo de vida forjado pelo frenesi da era digital às eternas carências nunca saciadas do homem, lutando para manter o nariz acima da linha da água. “Monica, O My Darling” (2022) é uma alegoria desse descompasso insanável de aspirações e mundo real, lugar menos e menos propício aos verdadeiros seres humanos.

Adaptação do romance japonês “Burūtasu No Shinzō: Kanzen Hanzai Satsujin Rirē” (2011), de Keigo Higashino, ou “Brutus of the Heart – Perfect Crime Murder Relay” (“bruto de coração – o relato de um crime de assassinato perfeito”, em tradução livre), o filme de Bala destrincha a escalada de Jayant Arkhedkar rumo ao topo, onde ele sempre deveria ter estado — pelo menos, ele assim o pensa. Rajkummar Rao encarna esse tipo entre o cínico e o sinceramente ingênuo, nada de muito distinto em sua carreira como um dos mais incensados galãs de Bollywood. Rao, aliás, se sai galhardamente nesses papéis compatíveis com sua envergadura e faz de Jay um daqueles adoráveis cafajestes, meio tolos e inofensivos. Esse seu lado, porém, vai se liquefazendo conforme o roteiro de Yogesh Chandekar vai aumentando exponencialmente a participação de Huma Qureshi, a “adorável” Monica do título. Secretaria da Unicórnio,  empresa em que o protagonista fez carreira com a ajuda do dono, Satyanarayan Adhikari, de Vijay Kenkre, Monica, à primeira vista, mostra-se imune às tentações do amor burguês e dá a entender que está mesmo disposta a encarnar o papel de mãe solo apenas para, um minuto depois, começar suas insinuações sobre os custos das fraldas, do pediatra, da escola.

Lamentavelmente, o diretor opta por preterir essa subtrama em favor da narrativa eminentemente noir, em que crimes relacionados a um robô desenvolvido por Jay passam a ser investigados pela detetive Naidu, uma boa performance de Radhika Apte. Os possíveis conflitos entre Jay e a noiva, Nikki, papel de Akansha Ranjan Kapoor, também sofrem um miserável boicote, pela mesma razão — e o pior é que o ingrediente do thriller policial não é completamente absorvido à massa em que o filme vai se transformando. “Monica, O My Darling” é, sem dúvida, uma forma bastante razoável de se ocupar ao longo de mais de duas horas, mas continuo recomendando que quem não tem lá muita paciência para os musicais, presentes em 90% das cenas, desvie dos petardos bollywoodianos. Ainda que esse também seja um meio de se castigar os costumes.


Filme: Monica, O My Darling
Direção: Vasan Bala
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Drama/Policial
Nota: 7/10