Filme alucinante que acabou de estrear na Netflix é o mais visto da atualidade em 90 países Julien Goldstein / Netflix

Filme alucinante que acabou de estrear na Netflix é o mais visto da atualidade em 90 países

A humanidade sempre manifestou a ânsia por descobrir entre os homens comuns aqueles que de alguma forma conseguem se elevar do rés do banal, do ordinário, da condição humana mesma e conotar uma aura mística qualquer. O homem está sempre em busca de um entendimento que lhe permita alcançar a sabedoria instintiva que o ampara para, afinal, ter alguma pista efetivamente palpável quanto a atingir o tão buscado autoconhecimento, alicerce para que vá erigindo as fortalezas que mantém sua alma a salvo da vileza do mundo. Esse primeiro estágio, moroso e doído, é só um breve amanho para que o homem chegue a uma fase ainda mais importante, a que aponta para sua autoafirmação em si. A sensação de fracasso é, inquestionavelmente, a peçonha mais corrosiva para o espírito da criatura humana, pedante e cheio de suas misérias incuráveis. Propor-se um desafio e abortar a missão, por mais imperiosa que seja a causa da desistência, fede a covardia, o exato oposto que a vida, em suma, representa. Nesses momentos de fraqueza arrebatadora, quase absoluta, salva-nos justamente a consciência de que há aqueles propósitos para nós tão vitais que, por mais que quiséssemos, nunca poderíamos deixá-los dormitando num escaninho da mente: eles acabariam por se impor de algum jeito.

Mesmo os heróis têm suas dores, e talvez essa seja a sua grande qualidade. Vencer tragédias pessoais é, em muitos casos, mais uma questão de pragmatismo que de vontade, propriamente. Há que se passar por cima daqueles sentimentos, tão destrutivos quanto resistentes, que embargam os próximos passos que poderíamos dar, que temos de dar para que a vida adquira novamente sua dimensão nobre, decisão de fato complexa, mas transformadora. Uma vez que se opta por virar-se a página, com tudo quanto pode existir de árduo nisso, a vida abre espaço para que sucedam experiência quiçá nem tão ditosas, mas com outra carga de drama, outras cores, ao menos para os que se contentam em ser simples mortais. Heróis, entretanto, obedecem a outra lógica, até (ou principalmente) nisso: essa é apenas uma das impressões a se tirar de “Bala Perdida 2” (2022), a sequência do bom thriller do francês Guillaume Pierret e continuação de uma história de busca por reparação e muito, muito rancor.

Pierret retrocede a narrativa, sem socorrer-se de nenhuma imagem, transportando o espectador aos últimos lances do primeiro filme, de 2020, quando se assiste à redenção de Lino, o mecânico de habilidades especiais interpretado com o devido vigor por Alban Lenoir. No roteiro, escrito a quatro mãos pelo diretor e seu ator principal, ficam claras as passagens em que pesam mais as elaborações de um e do outro, a exemplo das cenas nas quais Lino surge alquebrado no hospital, ainda convalescendo dos trancos do enredo introdutório e recebendo a solidariedade de Julia, a investigadora vivida por Stéfi Celma, — a esse propósito, a relação dos dois segue irritantemente difusa, turva, nunca se podendo arriscar com convicção um possível romance —, assinadas por Pierret. Quando o antimocinho surge resplandecente naquele abrigo surrado com os dizeres “Orgulho ou morrer” em inglês meio truncados, dando pernada a três por quatro sem se cansar, pode-se saber que é o próprio Lenoir quem está levantando a bola de seu personagem, muito acima da linha do horizonte, aliás. Este é, decerto, o calcanhar de Aquiles de “Bala Perdida 2”: as passagens de tiroteios, confrontos físicos e perseguições, nessa ordem, atiram o público num limbo semântico, mesmo quem assistiu (e gostou) do primeiro filme. A tal ponto que faz-se necessário parar um instante, tomar um fôlego longo e recapitular sobre a justificativa para tudo aquilo, que Pierret trabalhara tão bem em 2020, e se perguntar sobre por que Areski, o antagonista da história encarnado por Nicolas Duvauchelle, passa tanto tempo sumido aqui.

O argumento da necessidade do segundo filme quase se desvanece, não fosse a presença cênica marcante de Lenoir, que veste mesmo a camisa de Lino. Até se poderia supor que viria um terceiro longa, mas creio que não seja prudente se esticar a corda tanto assim.


Filme: Bala Perdida 2
Direção: Guillaume Pierret
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Policial/Thriller
Nota: 8/10