Ganhador de três Oscars, filme na Netflix provoca reações extremas Daniel McFadden / Sony Pictures

Ganhador de três Oscars, filme na Netflix provoca reações extremas

Músicos de verdade sabem que a música demanda tempo, dedicação e muito estudo. Não, cantar no banheiro e achar que está fazendo a imitação de Beyoncé não te torna um cantor. Nascer com alguma facilidade para qualquer instrumento musical não te torna um instrumentista. É preciso estudar, entender que a escala musical não se resume a dó ré mi, há as simétricas e também as tonais, há as pentatônicas, a estrutura dos ritmos, a leitura e escrita de partituras e mais um monte de coisas que compõe a teoria da música, que chega a uma complexidade similar à da matemática e aritmética.

Não basta apenas ter talento e os melhores músicos sabem disso. Os alunos dos grandes conservatórios sabem bem. Em “Whisplash”, nome que faz referência ao tempo da música, Andrew Neiman (Miles Teller) é um baterista que está em seu primeiro ano na Shaffer Conservatory, da Julliard, uma das mais, senão mais importante escola de música dos Estados Unidos. Seu sonho como jazzista é entrar para a banda do professor Fletcher (J.K. Simmons), conhecido por seus métodos abusivos e pouco ortodoxos, mas também por elevar seus alunos à perfeição musical. Estar na banda dele significa estar entre os melhores e ser um deles. Mas a perfeição tem um preço caro a ser pago.

Inspirado em eventos da própria vida, quando passou pela banda do conservatório de Princeton, Damien Chazelle também é um ex-baterista, mas que desistiu da carreira musical para estudar em Harvard. Apesar de um certo grau de realismo, “Whiplash” foi criticado por jazzistas que disseram que o nível de assédio demonstrado pelo filme faz os jovens se afastarem do gênero e que não representa a realidade atual.

Em uma entrevista concedida em 1954, o saxofonista Charlie Parker contou que sua rotina diária de estudos era de 11 a 14 horas. Ele tem uma história conhecida sobre como Jo Jones arremessou um prato em sua cabeça após um erro durante ensaios. Para ser a lenda que se tornou, John Coltrane também tocava diariamente a mesma média de Parker, segundo o Learn Jazz Standards. Ou seja, para ser um dos maiores, a realidade não está tão distante assim de “Whiplash” como disseram.

No filme, Fletcher faz com que Andrew repita por várias vezes a mesma série na bateria até suas mãos começam a sangrar. Ele arremessa uma cadeira em sua direção devido a um equívoco na aceleração do tempo e o faz chorar. Mas o garoto não é o único que sofre nas mãos do professor. Todos os demais membros da banda são cobrados, humilhados e assediados na mesma intensidade. Seus métodos podem ser cruéis, mas os tornam músicos excepcionais.

Em um jantar de família, quando todos parecem ver mais mérito em seus primos atletas, Andrew tem uma fala icônica sobre como prefere morrer falido e bêbado aos 34, como Charlie Parker, e ter seu nome lembrado à mesa do que sóbrio aos 90 sem ninguém saber quem ele era.

“Whiplash” sem dúvidas faz a música parecer menos divertida do que é, mas é exatamente isso. A satisfação do público em relação à música é quase sempre proporcionalmente inversa à do músico em sua jornada para se tornar grande, como argumentou Richard Brody a “The New Yorker” ao falar sobre o filme.

Enquanto percorre o caminho traçado por Fletcher para ser um dos maiores bateristas de jazz, Andrew vê sua personalidade ser corroída pelo ego e pela megalomania. Ele vai se tornando um reflexo de seu professor e isso fica claro quando ele termina o relacionamento com a garota com quem está saindo, dizendo que ela “vai impedi-lo de ser grande” e que ela “será esquecida, enquanto ele será lembrado”.

Com atuações intensas, passionais e brilhantes de Miles Teller e J.K. Simmons, “Whiplash” mostra que o caminho para a grandeza pode ser mais uma viagem ao inferno que ao paraíso.


Filme: Whiplash
Ano: 2014
Direção: Damien Chazelle
Gênero: Drama / Musical
Nota: 10 /10