A inenarrável peleja entre Chaplin (Lula) e Garrincha (Bolsonaro)

A inenarrável peleja entre Chaplin (Lula) e Garrincha (Bolsonaro)

Em crônica intitulada “As religiões do Rio”, o jornalista Paulo Barreto registrara que, nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, nos primórdios do século 20, pairava um misterioso sentimento desconhecido e avassalador, oriundo das forças do Além e do Susto. Confesso que fui obrigado a concordar com o mestre João do Rio, quando acompanhava o debate entre os presidenciáveis Luís Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL). Confesso que fui dormir antes do término do festival de impropérios, que permeou o diálogo truncado, fato este que me remetera às partidas de futebol do meu Vasco da Gama, na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Quiçá, por esta razão, não queiram saber qual não foi o assombro que eu tivera quando despertei do sonho, com o tricolor fanático Nelson Rodrigues, aos berros, a exaltar o espetáculo político-futebolístico das eleições presidenciais, protagonizado por Charles Chaplin (Lula) e Mané Garrincha (Bolsonaro), no Estádio Mário Filho.

— O jogo do século!… O jogo do século!… O jogo do século!…

A algazarra do Anjo Pornográfico despertou-me de tal sorte que, no momento subsequente, fui apossado de uma força estranha, que pusera-me a psicografar a crônica do futuro próximo, confesso que não sei ao certo se assoprada por Machado de Assis, Lima Barreto ou Rubem Braga, sobre o que teria ocorrido na noite de 30 de outubro de 2022, na apuração do resultado do jogo eleitoral entre adversários de partidos díspares e ideologias distintas, para o pleito da presidência da República Federativa do Brasil.

Na crônica psicografada, não obstante, deu-se que, inconformados com a escassez de ideias e o baixo nível da exposição da plataforma de políticas públicas apresentados pelos candidatos ao governo federal, que se restringiam às acusações de genocídio e ladroagem, os dois gênios da criatividade e irreverência, Charles Chaplin e Mané Garrincha, apostaram num botequim pé sujo do Inferno, entre uma partida e outra de porrinha, que desceriam em disfarces de cabos eleitorais, com o firme propósito de interferência na peleja eleitoral a se realizar neste Terrae Brasilis.

Destarte, os magníficos acrobatas da sobrevivência deliberaram que entrariam em campo político, para atuar um em cada time no embate ideológico, que abrange o jogo do século entre Bolsonaristas X Lulistas. Após par ou ímpar, os atletas combinaram que, independente do resultado das urnas eletrônicas, o candidato que perdesse a eleição entregaria, democraticamente, a faixa presidencial, coroa e cetro, ao vencedor do pleito eleitoral. Por atuar na extrema-direita, o ambidestro Mané Garrincha optou por reencarnar o espírito errático de Jair Bolsonaro (PL), ao passo que o mavioso Charles Chaplin decidira-se por se apoderar da alma gauche de Lula da Silva (PT).

No aquecimento, os astros indomáveis da política brasílica demonstravam total desinteresse pela fastidiosa preleção dos treinadores Flávio Bolsonaro (PL); e Gleisi Hoffmann (PT). Entretanto, logo após o apito inicial do jogo, o irresistível Charles Chaplin (Lula), ao dar um drible de corpo, estilo genocida, no truculento Braga Neto, marcou um gol de placa ao comprovar que mais de 80% da transposição do Rio Chico fora dedicado à torcida nordestina, que o aplaudia com o entusiasmo das plebes sedentas de justiça social. Embora a galera da arquibancada vestida de vermelho com a estrela do PT cravada no coração clamasse por um goleada histórica, a reação do endiabrado Mané Garrincha (Bolsonaro), azougue das pernas tortas, impulsionou a equipe do posicionismo ao empate ainda no primeiro tempo, através do antológico golaço de (moto)bicicleta, no lado sulista da grande área adversária, ao abordar que para além do triplex do Guarujá e o do sítio de Atibaia, sacramentado pela Lava-Jato, ampliaria através do Pix-Cash o Minha Casa, Minha Vida. Cabe o registro de que houve ainda um pênalti inexistente (fake news), marcado contra o selecionado lulista e não convertido pela equipe de supremacistas sistêmicos que, decerto, não soube explorar as deficiências do vazamento do gasoduto do Petrolão, optando por atacar o inimigo com estratégias ultrapassadas de confisco de poupança (Collor de Mello); e da proibição de cultos religiosos (Marquês de Pombal/Fidel Castro).

Logo nos primeiros minutos do segundo tempo, não obstante, o vagabundo de chapéu-coco penetrou pela esquerda, ganhou na velocidade do veterano defensor Velho da Havan; e completou a belíssima jogada ao criticar a corrupção evangélica do MEC, prometendo ampliação do Fies e do Prouni para um país laico: cristão, budista, muçulmano, macumbeiro etc. Com categoria, Charles Chaplin (Lula) arremessou a bola placidamente no ângulo do ineficiente goleiro Carluxo, fazendo a alegria de 33 milhões de torcedores abaixo da linha da pobreza, ao acenar com a Bolsa universitária como passaporte da carta de alforria intelectual. Em entrevista pós-jogo, o atlético Mané Garrincha (Bolsonaro) declarou que o cartola Paulo Guedes iria recorrer à Federação Internacional de Política Associada (FIPA), solicitando anulação do gol belíssimo por não haver real necessidade de FIES, PROUNI e afins, já que não há cabimento uma multidão de empregada doméstica com diploma universitário, tirando self com o Mickey Mouse, na Disneylândia.

Em contrapartida, o incansável Mané Garrincha (Bolsonaro); diga-se de passagem, com o adjutório do recém-contratado Neymar Jr., sacou da cartola o coelho da ofensiva do ex-tucano Geraldo Alckmin, sobre a obrigação de se desmentir a máxima de que bandido bom é bandido com CPF cancelado; mas, sim, aquele que retorna ao local do crime (Leia-se: Poder Executivo Federal). Com a tática do fogo-amigo, ao driblar a resiliente lateral-esquerda Jamja, o excrete bolsonarista empatou a partida eleitoral, em 2×2, aos 35 minutos do segundo tempo, ressalvando a exemplar expulsão do claudicante Hamilton Mourão da vice-presidência republicana.

Momento adjacente, o altivo Charles Chaplin (Lula) foi até o fundo da rede a fim de recuperar a pelota do jogo, de modo a animar o auditório silente. Não obstante, escaldado com a (re)tranca opositora, ordenou que a ex-capitã Dilma Rousseff questionasse o árbitro Alexandre de Moraes, a respeito da presença do senador Sérgio Moro, na área técnica do Maracanã. Fato este que levou o preparador físico, ex-ministro e fiel escudeiro Aloizio Mercadante, a impetrar petição de impedimento por assédio moral, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Neste episódio, o VAR, sob os auspícios do quarto árbitro Cyro Gomes (PDT), validou o gol destro; e, mesmo contrariado pela perspectiva do STF à vista, o calvo juiz Moraes teve que engolir o sapo-imberbe do objeto não identificado sem toga ou crachá.

Aos 45 da etapa final, porém, houve uma falta na meia-lua antagonista, após abissal e incredível canelada do beque-central Jair Bolsonaro, que, em podcast, explanou sobre o clima da terra de Hugo Chaves, o que levantou a abismada assistência do estádio, a clamar por impeachment pela inabilidade diplomática do candidato do PL. Neste exato instante, contudo, o clamor público fora impugnado pelo árbitro do Supremo Tribunal Eleitoral (STE), responsável pelas regras do prélio eleitoral. No tocante à batida da falta, o centroavante Lula sussurrou ao pé do ouvido do além de Charles Chaplin, que cobrasse com categoria e sutileza, malandramente, por debaixo da barreira à Ronaldinho Gaúcho, uma vez que o Carlitos estaria apto a desconsertar a reação bolsonarista.  

Dito e feito, enquanto Datena, Damares, Salles, Zema e Romário se esforçavam para receptar a cobrança pelo ângulo extremo-direitista, o inspirado Charles Chaplin (Lula), apossado pela irresponsável lucidez de um boêmio craque da política, rolou a bola sem força para o fundo das redes do inconsolável arqueiro Carluxo, desempatando o placar com genialidade suficiente para vencer a batalha da eleição à presidência da República Federativa do Brasil, em 30 de outubro de 2022.

Após publicação do decreto-lei sobre a criação do Açougue Popular no Diário Oficial, na comemoração numa churrascaria-rodízio do Morro do Alemão, com direito a boné CPX e show de Anitta, a comissão ministerial do Partido dos Trabalhadores despediu-se do marqueteiro Charles Chaplin que, a caminho do Inferno, deparou-se com um Mané Garrincha, cabisbaixo e entristecido. Eufórico pela memorável vitória no segundo tempo, o mítico e inigualável Carlitos, generosamente, o convidou para degustação de um último trago da aguardente Havana, por conta da Democracia verde, amarela, branca e azul anil.

Enfim, numa esquina do Purgatório batizada de Educador Paulo Freire, os jogadores brindaram, amistosamente, em invejável companhia de FHC, Darcy Ribeiro e Marielle Franco.