Filme com Bruce Willis, na Netflix, vai fritar seu cérebro e te manter 97 minutos sem piscar Brian Douglas / Lionsgate

Filme com Bruce Willis, na Netflix, vai fritar seu cérebro e te manter 97 minutos sem piscar

Para que a vida se tornasse menos caótica, o homem foi desenvolvendo mecanismos que o pudessem ajudar a manter sob controle seu ímpeto para a autodestruição e a balbúrdia. A polícia foi idealizada como a ferramenta de que o Estado lançaria mão a fim de conter a natureza rebelde do homem, mas, como todos sabemos desde sempre, também a polícia comete suas faltas. A probabilidade de se verificar que aqueles que têm a obrigação moral e de ofício de resguardar a sociedade se corromperam, seduzidos por promessas vãs de crescimento na própria corporação, influência junto a seus superiores e, claro, dinheiro, muito dinheiro, deixou de ser mera hipótese para se incorporar ao cotidiano dos povos faz tempo. É cada vez mais comum encontrar homens e mulheres da lei que renunciaram a sua função de separar o joio do trigo e preferiram tornar-se parte de uma estrutura corrompida, repleta de vícios insanáveis, rumando a passos largos para a podridão irreversível. Quanto mais isso acontece, menos esperança sobra no fundo da caixa, e haja otimismo para supor que um dia, quem sabe, alguma coisa mude verdadeiramente.

Ninguém jamais terá as respostas precisas que explicaram por que chegamos ao ponto em que estamos — e do qual não sairemos tão cedo —, mas elucubrar cenários que talvez dissipem certas nuvens é fundamental, malgrado com algum exagero. Essa decerto foi a intenção de Steven C. Miller em “Assalto ao Poder” (2016), espécie de farsa sobre a decomposição das instituições (no caso, as forças policiais mesmo), minadas por gente de fora e de dentro, ainda que haja uns poucos abnegados que resistam e façam seu trabalho. Miller, conservando-se quanto não abusar da violência e sugerindo alguma filosofia, volta-se para uma abordagem mais serena, até poética, de temas intrínsecos ao expediente policial, escancarando as chagas tão próprias de quem lida com criminosos todos os dias (e se mistura a eles), enquanto também reserva espaço para enaltecer a conduta dos que se seguram na corda bamba que divide a dignidade do opróbrio. O roteiro de Chris Sivertson e Michael Cody vai pontuando a narrativa com elementos que estabelecem a diferença entre uns e outros e que assim se prestam a encaminhar a história para onde ela de fato começa a acontecer.

Na introdução, um banqueiro cheio de mistério não parece tão apreensivo ao saber que seu negócio acaba de sofrer um grande baque. Hubert, a figura sombria personificada por um Bruce Willis meio congelado, pálida lembrança dos tempos dos longas da franquia de “Duro de Matar”, recebe o agente federal Jonathan Montgomery, de Christopher Meloni, muito mais feliz em sua composição. Poder-se-ia dizer que aqui Sivertson e Cody tenham querido emular o vigor cênico de “À Beira do Abismo” (2012), de Asger Leth, mas como a performance de Willis definitivamente não coopera, o espectador fica à deriva, aguardando por alguma virada salvadora. Hubert esconde segredos de polichinelo dos quais o público desconfia logo, dentre eles amizades suspeitas com políticos e outros ricaços; nesse momento, o enredo degringola para a solução ex machina de apontar casos homossexuais de autoridades insuspeitas, artifício que, se algum dia funcionou, hoje parece tão atual quanto um fóssil do paleolítico. A entrada em cena de Wells, o investigador vivido por Adrian Grenier, sim, garante um pouco de verve ao filme, e não por acaso Wells é justamente quem guarda as, digamos, surpresas do enredo, numa boa tabelinha com o detetive Mims, de Johnathon Schaech. Lamentavelmente, Miller espera tempo demais para atirar a lama ao ventilador, e, pior, sem dar a quem assiste quaisquer pistas quanto à índole dos dois, correndo muito depressa na subtrama que poderia justificar a perdição de Mims e, o mais grave, dispensando a chance de juntar esse segmento ao passado de Montgomery.

“Assalto ao Poder” não é de todo ruim, o que falta é um pouco mais de método. E que se prestasse mais atenção aos atores certos.


Filme: Assalto ao Poder
Direção: Steven C. Miller
Ano: 2016
Gêneros: Crime/Thriller
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.