Relações humanas são permeadas por toda sorte de obstáculos, que por seu turno degringolam em conflitos cuja resolução exige muito mais que apenas boa vontade. Quanto mais próximas as pessoas se tornam, mais aumenta a possibilidade de que comecem a se estranhar por um motivo qualquer, às vezes justificável, outras nem tanto. Seres humanos nos destacamos das outras espécies da cadeia evolutiva porque desde sempre fomos capazes de nos encaminharmos com certo equilíbrio pelas cordas bambas da vida, o que definitivamente não nos livra de uma queda, que acontece naqueles momentos em que nos pensamos mais seguros. Até que encontremos o chão, nosso corpo vai se acostumando à ideia de que tudo poderia ter sido muito diferente, que não teríamos desperdiçado a chance de virar a mesa e mudar de vida enquanto era tempo se tivéssemos percebido o mal que nos cercava, encarnado em gente que imaginávamos acima de qualquer suspeita, que jamais poderia nos oferecer algum risco.
O espanhol Roger Gual dispõe seus quatro protagonistas num único cenário ao longo de pouco mais de uma hora para elaborar sua perspectiva acerca das crueldades humanas — pequenas no início, mas gradualmente vultosas — que despertam num grupo de amigos e sócios que se juntam a fim de resolver a questão mais importante de suas vidas. “7 Años” (2016) abusa dos diálogos afiados que guiam situações milimetricamente pensadas sobre confiança, amor-próprio e dinheiro. No enxuto roteiro de Jose Cabeza e Julia Fontana tudo obedece a uma lógica muito específica, e a ação se deslinda no exato momento, sem muita margem para experimentações. O que poderia ser um ponto fraco acaba virando uma boa chance para que o espectador procure seu anti-herói favorito, talvez aquele com quem mais se identifica ou, ao contrário, quem tem maior chance de angariar seu devotado ódio; num cenário ou no outro, fica claro que a intento é que se crie de imediato uma relação de identidade entre os dois lados, facilmente atingido graças a naturalidade com que a história é levada.
A intrincada discussão jurídica de “7 Años” se faz presente logo na abertura: as autoridades espanholas descobriram um rombo tributário na empresa dos personagens, cada um responsável por um setor específico. Como cada segundo conta numa produção tão sucinta, a conclusão de que, por terem todos acesso à mesma conta num paraíso fiscal no exterior, existe a opção de que apenas um deles seja punido, e isso precisa ser decidido o quanto antes, porque a Polícia Federal planeja uma operação a fim de apreender os computadores e celulares dos suspeitos e encontrar os indícios de que necessita para botar todo mundo em cana. O CEO Marcel, vivido por Alex Brendemühl; Veronica, a contadora interpretada por Juana Acosta; o diretor comercial Carlos, papel de Juan Pablo Raba; e Luis, de Paco León, o ex-garoto-prodígio da computação, fundamental para que todos chegassem ao topo, mas que tornou-se superado, o mais atormentado entre eles, se encerram numa sala, imaginando que irão alcançar a solução de modo breve e civilizado, burlando maiores traumas, malgrado saibam que alguma velha rusga pode vir à baila. Para evitar imprevistos e se certificar de que tudo quanto deliberarem será cumprido, o advogado Jose Veiga, de Manuel Morón, fora chamado como mediador para assisti-los, sendo regiamente pago para isso.
Gual consegue fazer com que a tensão recrudesça adicionando os pontos que deixam a narrativa cada vez mais tensa, pronta para explodir num crime de natureza passional. Fala-se, ainda que superficialmente, de machismo, misoginia, vínculos familiares que se perderam, e de tudo emana o fedor do cinismo que sói prosperar nessas circunstâncias. Em maior ou menor proporção, são todos hipócritas e vis; mesmo o personagem de León, o mais inclinado a um comportamento menos pernicioso, cede a vilania, sendo vencido pela reviravolta um tanto ex machina, mas bem conduzida pelo diretor.
Filme: 7 Años
Direção: Roger Gual
Ano: 2016
Gênero: Drama
Nota: 8/10