O filme ridículo, na Netflix, que também é um deleite e diversão assegurada por 87 minutos Divulgação / Columbia Pictures

O filme ridículo, na Netflix, que também é um deleite e diversão assegurada por 87 minutos

O cinema aproveita como poucas manifestações artísticas conseguem os tantos detalhes que permanecem por um tempo inestimável nas entrelinhas da vida, à espera de quem se interesse por eles e os desvende. As criaturas sobrenaturais que deixam a sepultura na calada da noite, quando ninguém vê, e tomam as cidades como se ainda vivessem fazem parte da literatura fantástica desde pelo menos a Idade Média (476-1453), quando também se tornaram populares os relatos sobre bruxas e vampiros, sendo que as bruxas existiram mesmo e acabaram queimadas nas fogueiras da Inquisição e as tramas de vampiros se revestem de alguma fidedignidade histórica em grande medida devido à figura tão aterradora quanto sugestiva do conde romeno Vladímir Drákul (1431-1476). A origem O filme ridículo na Netflix que também é um deleite e diversão asseguradados zumbis é muito menos exata. Nascido em tribos africanas de tempos imemoriais, o hodu, conjunto de rituais de magia negra praticados em países da América Central, como o Haiti, por exemplo, seria capaz de fazer os defuntos voltarem à vida, com intenções quase sempre perversas, seja para vingar um parente morto em circunstâncias desumanas num dos incontáveis conflitos fratricidas de um povo nativo contra outro, pela disputa da hegemonia de certa região, seja por razões mais afetas ao sentimento, como o orgulho ferido de um homem trocado pela mulher amada por seu maior rival.

Ruben Fleischer, no entanto, não tem a menor inclinação para as discussões sérias que os mortos-vivos possam engendrar. Seu “Zombieland” (2009) se presta a fazer toda a graça que puder acerca da condição muito peculiar de cadáveres que não procriam, mas que dispõem de energia para todo o resto, embora aqui eles não se saiam tão bem e sirvam apenas como ótimos figurantes, fazendo da história a vingança perfeita para humanos entediados depois de um apocalipse recente. Fleischer desdobra o humor sem muito refinamento do roteiro de Paul Wernick e Rhett Reese em sequências onde o talento do quarteto de protagonistas resta inquestionável, tanto que a produção original deu à luz outro longa, e o terceiro parece já ser mais que apenas uma possibilidade.

Como não poderia deixar de ser, os zumbis tentam dominar o que sobra do mundo, mais pelo que chamaríamos de instinto de sobrevivência que propriamente por uma vontade incontrolável de matar e subjugar os vivos. O narrador de Jesse Eisenberg surge numa estrada deserta, tomada por automóveis capotados, até que é surpreendido pelo personagem de Woody Harrelson, um nome sempre bem-vindo quando se quer dar personalidade a uma história. Os dois se apresentam com os nomes de suas respectivas terras natais: Eisenberg deseja voltar para Columbus, Ohio, no centro-oeste dos Estados Unidos, enquanto Harrelson vai para a ensolarada Tallahassee, capital da Flórida. A blague geográfica continua quando a Wichita interpretada por Emma Stone e sua irmã caçula Little Rock, de Abigail Breslin, também despontam do nada para completar a trupe. A partir desse ponto, o diretor fortalece a interação dos quatro, que apresentam química rara, o que decerto é fundamental para que um projeto tão pessoal emplaque.

A narrativa toma ares de um road movie nada previsível, em que Fleischer oferece a chance para que Eisenberg, Harrelson, Stone e Breslin tenham o mesmo destaque, cada qual a seu tempo. O brucutu Tallahassee provoca Columbus, um sujeito capaz de manter-se lhano e mesmo doce até com uma escopeta — que ele nunca aprende a manusear — em punho, e os dois terminam por compor uma parceria tão improvável quanto cativante. Na outra frente, o texto de Wernick e Reese decifra as figuras meio nebulosas de Wichita e Little Rock mencionando os pequenos golpes de que viviam antes do mundo chegar à antessala do colapso. Sem dúvida, as passagens inolvidáveis da trama, geniais, se sucedem no entrecho liderado por Bill Murray fazendo a si mesmo na pele de um anfitrião bastante receptivo a visitantes desconhecidos e meio mambembes, com direito a inconfidências profissionais e uma saída de cena à altura de sua versatilidade, simplesmente hilariante.


Filme: Zombieland
Direção: Ruben Fleischer
Ano: 2009
Gêneros: Terror/Comédia/Aventura/Road movie
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.