Mais um otário à frente de seu tempo

Mais um otário à frente de seu tempo

Desde menino que eu sou velho. Valia o que não tinha peso. Prezava o que não tinha senso. Aquilo de sopesar. Aquilo de antecipar as situações com exagerada antecedência. O tanto ansiar. Velhice de menino não tinha como, não se tratava com medicamento. Tratava-se de um acometimento de nascença. Parvoíce. Distúrbio. Escândalo.

Em tempos de meninice, bom mesmo era relevar, mas, eu não relevava. Certo mesmo era levar a vida na flauta, mas, eu não levava. Prendia o futuro com as mãos em ânsias de devaneio e ele sempre escapava entre os dedos. Nada mais natural. Em dado momento — degredo de mim mesmo — a descoberta da finitude humana fez-me reconhecer que, muitas das vezes, os momentos felizes aconteciam somente pelos lépidos olvidos do sofrimento.

Aquela maturidade forçada, meio fora de hora, estava mal gastando o próprio tempo. Pequenino, carregava toda sorte de atribulações extemporâneas no corpo franzino, na cachola e dentro de uma mochila surrada, misturada ao lanche diário, simplório, preparado pela minha mãe; ao estojo de madeira herdado do irmão mais velho, ao caderno mal zelado, estragado nas beiradas com orelhas que quase nunca me escutavam.

Nem sempre se compreendia os conceitos dos adultos em relação à simplicidade do que seria o bem viver; o repetitivo, o compulsório e o manjado manjar que consistia em nascer, crescer, ter filhos, ficar velho e morrer. Era assim que o bem sempre vencia no final? Parecia trágico demais para ser a vida. Caí de maduro, longe do pé, fora de época. Mesmo gozando de sentimentos descabidos para tão tenra idade, eu sentia. E como eu sentia. Quase sempre aturdido. Quase sempre acelerado, a décadas de mim mesmo. Mais um solitário à frente de seu tempo.

A vida era repleta de lugares comuns frequentados por corações ordinários. Dentre eles, o meu, ainda miúdo. Citações recorrentes. Constatações triviais. Sempre se vivia como se o corpo e a história fossem universos em paralelo, algo que não estava submetido ao concurso do tempo, aos desgastes cotidianos e às frustrações. No final das contas, quase tudo eram favas contadas em matéria de desencanto. Aquilo que fora sem sequer ter sido. O destino para o qual sempre se buscava uma explicação plausível, se não pela ciência, pela religiosidade, pelo fanatismo, pela ignóbil obra do acaso.

Vi menos ocasos do que deveria. Não sinto nenhuma culpa por isso. Eu era assim. Eu sou assim, um exercício matemático que nerd ninguém decifra. Não larguei uma nesga sequer daquela capacidade de antecipar as situações potencialmente desagradáveis que quase nunca se concretizam. Ao menos, sei que não endureci por dentro a ponto de pensar em apear da vida. De certa forma, a ansiedade mantinha acesa a vontade de buscar conhecimento, de usufruir da companhia de pessoas leves, desencanadas, aquele tipo de gente que eu não conseguia ser mesmo tentando, que não intoxicava os ambientes com a simples presença física ou com um escarcéu de palavras mal ditas em decorrência de pensamentos mal engendrados.

Hoje, as pessoas me parecem mais tresloucadas do que nunca. Aposto que é mais um daqueles vieses subjetivos. Já faz tempo que a humanidade encontra motivos suficientes para esperar o fim do mundo. Eu busco motivação mais na rasura do que no fundo. Procuro mergulhar na medida certa. Vasculhar a própria mente, só com a ajuda de um escafandro. Ler. Calar. Sorrir. Amortecer os neurônios. Observar o comportamento humano. Eu devia ter nascido outro bicho. Uma coruja, quem sabe. Parece não haver melhor aprendizado para um ser vivo do que prestar atenção — de bico calado — no que sucede ao seu lado porque as outras criaturas estão em cena.

Se eu pudesse escolher, não voltava no tempo, nem em pensamento, como estou a fazer agora. Chega um momento em que o passado provoca gastura. Não estou nem aí para o que passou. Eu desperdiço o presente com aflições futurísticas. Só para variar. Como se eu ainda fosse um menino.