Clássico do cinema de ficção científica está na Netflix e vai te deixar sem fôlego por 120 minutos Divulgação / Paramount Pictures

Clássico do cinema de ficção científica está na Netflix e vai te deixar sem fôlego por 120 minutos

Malgrado a vontade e o empenho de alguns, a vida humana nunca perdeu o seu valor. Estar no mundo é um mistério que vem desde antes ainda de nossa presença física, quando, para uns, as leis da probabilidade se irmanam e o milagre da concepção torna-se efetivamente real; para outros, os astros convergem e encarna-se algo para além do etéreo; e para um terceiro grupo, Deus se manifesta da forma mais nobre e permite que o homem — em formação rudimentar, mas já homem, criatura plena de direitos e futuras obrigações — habite o ventre de uma mulher e se perpetue o gênero humano. A nada, a rigorosamente coisa alguma que se passa sob o sol, se deve atribuir o acaso, como se a vida fosse um evento de proporções mais ou menos catastróficas. A vida é, sim, um ajuntamento de pequenos e grandes disparates, uma sucessão de enigmas irrelevantes e penosos, cuja natureza levamos só o tempo necessário para compreender; entretanto, por óbvio, há fenômenos que se projetam para muito mais longe que o parcíssimo entendimento dos pobres mortais que giramos sem rumo num globo flutuando perdido na imensidão do universo. E são justamente essas ocorrências que nos permitem afirmar sem margem para equívocos que, por mais que vivamos, nunca conseguiremos dar um fecho conclusivo às tantas inquietações que torturam-nos o espírito, pronto em dada medida, mas aprisionado numa massa vulnerável até a ameaças as mais singelas.

Histórias como a de “Impacto Profundo” (1998) têm o condão de mesmerizar públicos de todas as camadas sociais, idades, etnias e credos precisamente por refutar com elegância o ubíquo fanatismo que ronda o tema da extinção da vida na Terra — o religioso, mas também o científico, e não só a vida humana, mas a de todos os seres —, atrevendo-se a propor soluções para frear o processo antes que se consuma. Com o filme, Mimi Leder se reafirma como uma realizadora devidamente preocupada com questões técnicas, mas também sensível, o que se comprova no jeito como aborda as tramas paralelas que margeiam o leito da história, com destaque para o comportamento da opinião pública frente a circunstâncias extremas, uma de suas grandes razões de ser.

Na esteira do introito apocalíptico, o roteiro de Bruce Joel Rubin e Michael Tolkin começa a apresentar detalhes que contribuem para aumentar a sensação da completa obscuridade que paira sobre a narrativa, ponto favorável e que recrudesce ao longo das duas horas de projeção. O acidente com Marcus Wolf, o astrônomo vivido por Charles Martin Smith, puxa o filme para um encadeamento de teorias conspiratórias, recurso fácil e que Leder afasta em certa medida. Não muito tempo depois, o texto de Rubin e Tolkin opta por tensionar o filme artificialmente apostando na figura de Jenny Lerner, uma repórter já calejada na cobertura da Casa Branca que fareja algo de podre na renúncia de Alan Rittenhouse, o funcionário do gabinete presidencial de James Cromwell. Jenny, aguerridamente interpretada por Téa Leoni, sai em seu encalço para descobrir o que de fato existe de concreto no que pôde apurar. Na sequência que mostra os dois cara a cara — com a presença de um cinegrafista mirando sem pena o burocrata, câmera em punho, clichê dos clichês sempre que se quer falar de certo jornalismo, invasivo e quase criminoso —, esgrimindo sobre quem é mais ou menos canalha, a personagem de Leoni passa a saber, afinal, por que o presidente americano Tom Beck de Morgan Freeman defenestrou o ex-colaborador, o que leva ao mote central do longa.

Beck faz valer a máxima que reza que, para tempos difíceis só providências igualmente duras, e trata os dois meteoros que ameaçam devastar o planeta com a ajuda do Projeto Messias, que em colaboração com a Rússia intenta mandar ao espaço uma nave recheada de bombas nucleares o bastante para conter a fúria de um corpo celeste de milhões de toneladas que se desloca sem freio pela Via Láctea numa velocidade superior aos dos 1.234,8 quilômetros por hora que o som leva para chega de um lugar a outro. Capitaneando a missão, o decano Spurgeon Tanner, um dos pioneiros da NASA. Vivido pelo lendário Robert Duvall, Tanner, escolhido por já ter ido à lua, encarna as reflexões filosóficas que Leder propõe sem dogmatismo ou grandes pretensões, ao passo que Leo Biederman, o especialista precoce em literatura científica de Elijah Wood, tenta lidar com a iminência do fim e um amor sufocado pela tragédia.

É nítido que os roteiristas se deixaram influenciar sem reservas por trabalhos a exemplo de “Independence Day” (1996), dirigido por Roland Emmerich (em especial nas sequências em que o mar avança por Nova York e carrega a Estátua da Liberdade), e, por seu turno, produções como “Não Olhe para Cima” (2021), de Adam McKay, a despeito da zombaria reinante, reproduzem o que Leder quis mostrar. Feita a ressalva, “Impacto Profundo” cumpre seu papel de entreter e fazer seus alertas sobre problemas, entre outros, como a degradação do meio ambiente, enquanto aproveita para exaltar o lirismo entre mórbido e vigoroso da incerteza da vida. Tudo o mais é poeira cósmica.


Filme: Impacto Profundo
Direção: Mimi Leder
Ano: 1998
Gêneros: Ficção Científica/Drama
Nota: 8/10