Filme com Colin Farrell e Noomi Rapace na Netflix te levará para dentro dele e fará 118 parecerem o resto de sua vida Divulgação / Frequency Films

Filme com Colin Farrell e Noomi Rapace na Netflix te levará para dentro dele e fará 118 parecerem o resto de sua vida

A grande, a imensa, a avassaladora maioria de filmes policiais passa por Nova York — e muitas vezes é Nova York quem passa por eles. Na cidade mais cosmopolita do mundo, onde gente de todas as culturas, sangues, etnias, credos, convicções políticas se encontram, a impressão que se tem é que a vida mais se assemelha a um táxi desgovernado que, milagrosamente, desvia de quase todos os obstáculos (grife-se o quase), e quando a viagem parece que se aproxima do fim, um novo passageiro sobe e aquela roda viva toma corpo outra vez, até mais frenética do que antes. Talvez Nova York seja um lugar entre mágico e cruento, real e imaginário, dos sonhos e da dureza da vida como ela é, escolhendo a dedo os privilegiados a quem trata bem e destinando ao vastíssimo outro grupo uma postura incomplacente, como a madrasta que tem por razão fundamental de existir a repulsa pelos filhos gerados em ventres desconhecidos. Ao passo que uns se esquivam da cólera dessa bruxa indominável, há aqueles que fazem dela sua maior aliada, ajustando-se a seus desígnios mesmo que para tentar subvertê-los e dar o rumo pretendido a uma jornada particularmente tortuosa.

O dinamarquês Niels Arden Oplev saca do mais oculto de suas percepções o que pensa de Nova York e projeta tudo quanto sente em “Sem Perdão” (2013), thriller policial que se desdobra sobre possibilidades mais ou menos calculadas de se difamar a megalópole das megalópoles, não exatamente pelos critérios matemáticos, que asfixiam a pulsão de vida que há em cada coisa — e rapidamente se contrapõe a outra pulsão, a de morte —, mas por condensar em si tudo o que de fato interessa exaltar e repelir no homem. A cidade observa incrédula a fatuidade de homens que se acreditam importantes e se extasia com essas criaturas, pobres-diabos seduzidos por expectativas irreais de poderes efêmeros. Se há uma coisa que Nova York ensina àqueles que ousam decifrá-la é que a vida não faz mesmo o menor sentido, e que também por esse motivo é urgente fazê-la valer a pena. A grande questão é encontrar a maneira ideal para tanto, mistério cuja solução impende a cada um.

História de uma vingança que puxa outra — e une dois espíritos torturados —, o roteiro de J.H. Wyman usa de muita retórica para convencer o público quanto a endossar um argumento um tanto fantasioso. Victor, o engenheiro interpretado por Colin Farrell, tem o atrevimento de bater de frente com nada menos que a máfia imobiliária de Nova York, uma das mais truculentas do mundo. Seu apartamento era cobiçado por Alphonse, chefe de uma quadrilha especializada em extorquir moradores de imóveis visados a fim de conseguir que se mudem e, de preferência, pagando pelos apartamentos muito menos que o valor de mercado. Como ele se mostra fortemente contrário à iniciativa, o gângster encarrega um de seus jagunços a dar um susto no valentão. O plano, claro, sai de controle e a vida de Victor (cuja verdadeira identidade é Laszlo, húngaro radicado em Nova York) nunca mais volta a ser como antes — e tende a ficar o seu tanto mais atribulada, graças a presença indesejada de Beatrice, a esteticista precocemente retirada do ofício por causa de um acidente de carro que lhe desfigurara poucos anos antes.

A princípio, haverem tido a vida determinada pelo crime e pela desdita é o único ponto de contato entre Victor e Beatrice. A afinidade de Farrell e Rapace como um improbabilíssimo par romântico impõe-se com sutileza, ao passo que o lado notadamente policialesco da narrativa toma corpo com a entrada em cena de Darcy, o tipo meio marginal vivido por Dominic Cooper, um antagonista bastante peculiar. Oplev dispõe de seus personagens como peças de um jogo perigosamente confuso, conferindo a cada um a aura de segredo que, em boa medida, os defende de ataques inesperados, mas também faz com que estejam sempre à beira do colapso.

Românticos incorrigíveis fiquemos sossegados, porque o amor maldito de Victor e Beatrice vinga no fim, sem trocadilhos. Niels Arden Oplev, diretor de um filme chamado “Os Homens que não Amavam as Mulheres” (2009), prova que, muitas vezes, a arte é fonte indelével de ironias e contradições. Ainda bem.


Filme: Sem Perdão
Direção: Niels Arden Oplev
Ano: 2013
Gêneros: Thriller/Policial
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.