Semana passada, durante evento literário nos EUA, o escritor Salman Rushdie foi vítima de um atentado. Esfaqueado, hospitalizado. Ficará com sequelas para o resto da vida? O criminoso, um solitário dos atuais tempos? Ou um agente intencional? Jurado de morte há anos pelo Irã, devido ao seu romance “Os Versos Satânicos”, Salman vive há décadas sob proteção policial.
Para além da importante figura que Salman representa, o que sofreu atentando foi a liberdade de criação artística. A arte, a ficção, não deveriam ter limites, elas funcionam dentro de um estatuto próprio, o da liberdade do ato criador de gênios que de tempos em tempos despontam na humanidade.
Uma vida inteira protegido, em carros blindados e janelas da casa blindadas. Em países onde foi publicado, também os editores e tradutores sofreram violências. Por causa de um livro. Deus, os profetas, nas religiões, deveriam estar acima da simples ficção e serem assim compreendidos pelos fiéis seguidores.
Salman não se converteu ao islamismo nem mandou recolher seus livros das livrarias, conforme pedido para possível abono na ameaça. O Irã decretou sua morte, pela primeira vez em 1989, depois em 1998, suavizou o tom, dizendo não ter intenção de cumprir a determinação. No entanto, em 2007, o governo de Mahmoud Ahmadinejad declarou o decreto como ainda válido. Nas reportagens sobre o caso, causa espanto ver a ficção tornada realidade: o livro em chamas, como em “Fahrenheit 451”.
Não é de hoje que livros causam temor nos poderosos. Aqui, no período do Estado Novo, escritores como Jorge Amado e José Lins do Rego viram suas obras (“Capitães da Areia” — atualíssimo retrato da pobreza no Brasil) arderem em fogueiras. O poder institucional tem medo do poder da palavra, que é sempre livre, não institucionalizada, viva, dinâmica, polissêmica e transformadora.