O filme despretensioso que é um dos mais divertidos de 2022 acaba de estrear na Netflix

O filme despretensioso que é um dos mais divertidos de 2022 acaba de estrear na Netflix

“Como Vender Drogas Online (Rápido)” é um dos maiores campeões de audiência na Alemanha hoje. As três temporadas da série dirigida por Matthias Murmann e Philipp Käßbohrer é cheia de elementos que fisgam o público de imediato: diálogos bem escritos e leves, alusões à cultura pop e performances acima da média, que fazem o enredo verdadeiramente único. Nessa categoria em particular, a história do traficante Jakob Otto, o Buba, fica especialmente saborosa graças a Bjarne Mädel, que sabe dar a seu personagem as nuanças de asco e ingenuidade que se tornaram sua marca registrada. O cinema consegue, como poucas manifestações artísticas, eternizar tipos cuja personalidade complexa, controversa, estimulante não só traslada o espectador a outra realidade, mas o faz crer-se parte dessa outra realidade, entendendo de que conflitos é formada, porque se perpetua, de que maneira estamos ligados a ela — ainda que, na prática, não lhe tenhamos semelhança alguma. Esse dom dos filmes em nos emprestar a sensibilidade que parece escapar de nós à medida que a vida corre é a tal magia de que muita gente fala, mas poucos conhecem de fato, a fundo. Chegar a esse ponto é uma das conquistas com que a maturidade nos presenteia, e arte e razão são coisas muito próximas.

Arne Feldhusen aproveita o sucesso de Buba e dá a ele um filme para chamar de seu, em que Mädel corresponde às expectativas em torno de seu trabalho ao passo que consegue manter o interesse acerca de suas novas aventuras sempre fresco. O personagem-título de “Buba” (2022) é um aspirante a bandido cuja popularidade desafia a lógica: o anti-herói de Feldhusen não é bonito, não tem dinheiro, não diz nada muito brilhante, mas é impossível não enxergar em sua figura lamentável, quase grotesca, algo de sublime. Experiente, Mädel foi angariando papéis de alcance bastante amplo ao currículo, a exemplo do Berthold Heisterkamp da série “Stromberg” (2004); intérprete tecnicamente burilado, mas também muito intuitivo, a facilidade com que o ator absorve o que exigem dele foi-lhe de grande valia quando resolveu ir para trás das câmeras e dirigiu “Sörensen hat Angst” (2020), em que viveu um detetive paranoico que se muda de Hamburgo para um pequeno vilarejo a procura da paz de espírito perdida. Mudar de lado e incorporar uma figura marginal, porém igualmente atormentada, não foi tão difícil. Bastou realizar os ajustes devidos.

O roteiro de Isaiah Michalski e Sebastian Colley apresenta Buba como o que realmente é, desde a abertura: um homem já entrado em anos, visivelmente infantilizado, sofrendo o trauma de se julgar o responsável pela morte dos pais. O argumento central do filme gira em torno desse episódio, momento em que o diretor aproveita para explorar a avó vivida por Maren Kroymann, que profere contra ele a maldição que o acompanha pela vida afora. Sob o pretexto de protegê-lo, Dante, o irmão mais velho interpretado por Georg Friedrich, só consegue desestabilizá-lo ainda mais ao insinuar que precisam continuar unidos na alegria e na tristeza — muito mais na tristeza —, como os dois solteirões que nunca deixarão de ser, e sempre que os dois são mostrados juntos, Feldhusen leva à cena alguma situação em que Dante se refere a uma possível viagem à Disney, que têm de ser feita antes que não haja mais tempo. A esse propósito, são divertidas as tiradas dos personagens de Mädel e Friedrich entre si, mencionando também os Irmãos Grimm. A cota de delírio e linearidade temporal fluida é preenchida com alusões a um suposto affair entre Buba e Jule, a tatuadora de Anita Vulesica, cuja reedição parece interditada pelo destino, principalmente depois que o protagonista fica sabendo que a ex-namorada teve um breve, mas intenso, flerte com Leonardo DiCaprio durante um campeonato de dança anos antes. O astro de Hollywood também é alvo de boas piadas acerca de seu desempenho ao longo da carreira e as baldadas indicações ao Oscar — até que em 2015 uma ursa furiosa cruza o seu caminho.

As citações à máfia albanesa, líder do maior cartel de drogas da Alemanha, restam meio fora de propósito, mas não eclipsam a graça nonsense de “Buba”, um conto de fadas para adultos em que o príncipe é também o mago, o ogro e o guerreiro mais corajoso. Tudo sem pretensão de nada e extremamente divertido.


Filme: Buba
Direção: Arne Feldhusen
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.