Eles saem das tocas. Onde estavam esse tempo todo? E vão para junto do povo, pelo menos para junto dos grupelhos que conseguem reunir numa rua, numa casa de quintal grande, numa praça, numa quadra, num campinho, numa rodinha de cadeiras plásticas, numas fileiras de cadeiras, parecendo um culto, uma igreja — foram avisados, convidados previamente? E falam e gesticulam e sorriem. São anunciadores da boa notícia: possuem novas ideias, novos projetos. Se tiverem a chance — a tão sonhada, esperada e desejada chance — farão isso e aquilo e mais isso e mais aquilo, sobretudo o que não estiver na alçada dos cargos aos quais concorrerão.
Muito importante: as fotos com as pessoas. Com a velhinha carcomida e corcova, de cara enrugada e de cabelo assanhado. Com a mãe de criança na barriga e nos braços. Com o homem tímido, de poucas palavras, mas de aperto firme na mão e de declaração de palavra: “meu voto é seu”, e completa, já chamando o (pré)candidato pelo nome do cargo que pretende ocupar. O possível eleitor não é corrigido, não é esclarecido de que o tal ainda não é tal coisa, recebe em troca um sorriso do aspirante. Tudo será postado nas redes sociais. É bom que seja gravado um pequeno vídeo, na edição para a postagem, o áudio pode ser tirado — saiu com muito barulho, mal se ouve o trecho do discurso inflamado, ao final aplaudido de pé por alguns — e colocada uma moderna música instrumental.
Falam com as pessoas. Escutam delas os muitos problemas que vivenciam todos os dias. O lixo no muro em frente das casas. O esgoto à céu aberto. A chuva que alaga tudo quando vem. O posto de saúde mais próximo vive sem médico e sem remédio. De vez em quando matam um e outro. Casas desocupadas por mandos. Tudo caro. Passando necessidade. Sem emprego. Fazendo bico. Mulher de novo grávida. Mataram o fulano que era daqui.
Sabem disso e da existência de tantas outras coisas do tipo há muito tempo. Assistem nos telejornais diariamente o que agora escutam sair diretamente da boca do povo. Depois das despedidas, no conforto dos carros de vidro fumê e de ar-condicionado, borrifam álcool por todo o corpo — prática anterior ao advento da covid.
A hora adiantada, todo o cuidado. O GPS pode dificultar ainda mais o caminho. Fotos, fotos e mais fotos. A presença do conhecido já deputado ou do conhecido já vereador ajudou. Chamou mais gente. Apoios. Acordos. Conchavos. Alianças. Bases. Nos bastidores, atentam para os conselhos das raposas velhas. Vez passada não andaram tanto assim, não foram em tais lugares remotos, esquecidos. Não tiveram tais apoios. Eram poucos seguidores nas redes — dois anos atrás, quatro anos atrás. Agora é diferente. Está chegando o momento.