Elvis morreu Reprodução / Jailhouse Rock

Elvis morreu

Dizem que margarina vegetal faz um tremendo mal à saúde de um ser humano. Tanto assim que nem mesmo as baratas degustam tal iguaria no seu cardápio abjeto. Elas, as baratas, não sabem o que estão perdendo. Eu como pão francês com margarina vegetal. Eu gosto do sabor do pão francês quentinho, ainda mais, besuntado com lapadas de margarina vegetal. Gosto de ouvir Elvis Presley também. Elvis está morto, mas, não fui eu quem matou. Jamais o mataria no meu coração, ainda que estivesse enlouquecendo. A mística do Rei do Rock permanece intacta. Da mesma forma que a dramática tese de que as baratas serão as únicas criaturas sobreviventes quando advir o temível ataque nuclear que dizimará o Planet Hemp, digo, o Planeta Terra.

Cabeça nas nuvens. Não se apoquentem. Eu não estou emaconhado. Sou mais careta do que um caju. O comentário do primeiro parágrafo parece a obra perfeita de um fanático que orbita ao redor da lua. Sim, vocês têm alguma razão no seguinte aspecto: não sei qual será o próximo passo e como foi que esse preâmbulo esdrúxulo sucedeu na minha cabeça. Em se tratando de mentiras e de insights criativos, quando uma ideia aparentemente original, ainda que absurda, surge do nada, feito uma cólica forte no vazio, o escritor mais atento tem que se virar com ela para encontrar um comprimido de Buscopan ou um contexto literário minimamente cabível no qual introduzi-la. Não tenho a grandeza de um Paulo Coelho, de um José Sarney, de uma Cassandra Rios. Eu tenho lá os meus métodos de trabalho e, em sã consciência, não os recomendaria a ninguém que não soubesse recitar três pratos de trigo para três tigres tristes, sem travar a coluna.

Minha língua é ferina. Tudo bem que isso não faça o menor sentido. Nem tudo que não existe tem uma explicação razoável. Acostumem-se com esses fatos. Eu esperava ansioso pela filme-biografia de Elvis Presley. Tenho esse defeito de me perder nas expectativas, de passar o carro na frente dos boys, ou melhor, de passar o carro na frente dos bois. Assim que o filme entrou em circuito nacional, acorri com a minha gata ao cinema, onde a danada deixou as marcas profundas das suas garras numa confortável poltrona de corino. Pagaríamos uma nota absurda pelo dano material, caso fossemos flagrados pelos lanterninhas. O que houve com eles? Por onde é que andam? Como se reproduzem? Estariam mortos como Elvis Presley?

Pensei que fosse me deparar com uma leva de homens calvos e de mulheres grisalhas dentro da sala de projeção. Não foi bem assim. Apesar de ser um domingo, dia bom para transar, desandar e ir ao cinema, notei que a ocupação completa da sala não atingia sequer 20% da capacidade e que a maioria dos cinéfilos era composta por jovens sem máscaras. Mesmo morto, Elvis não parava de fazer façanhas, de aumentar o séquito de admiradores. Em tese, renovavam-se as esperanças de que a chama do rock and roll — gênero musical no qual Elvis Presley é considerado o maior ícone — permanecesse acesa como a pira de um pirata pirado.

Não sei o que a ejaculação precoce tem a ver com isso tudo. Ainda não fui pego por esse troço. Não sou um homem rico, mas, tenho a sorte de um camelo ao passar pelo buraco de uma agulha. A ansiedade exorbitante quase sempre atrapalha, decepciona e me joga nos braços da frustração. Isso é bem cansativo. Passei pela mesma desconfortável sensação quando assisti aos filmes que retrataram as vidas dos cantores Elton John e Freddie Mercury. Espero sempre o máximo das biografias dos meus ídolos na telona. Numa escala de 0 a 10, acabei dando uma nota 7 — com louvor — para o filme do diretor Baz Luhrmann. Nenhum dos meus amiguinhos imaginários das redes sociais da internet entendeu patavina do meu comentário, pois, eu tinha prenunciado que o filme era bom demais, que valia a pipoca e coisa e tal e pi-pi-pi e pó-pó-pó.

A atuação do estiloso Austin Butler no papel do Elvis foi mesmo um feito impressionante. A minha gata, inclusive, teve o despautério de comentar que o ator, em matéria de beleza e de ziriguidum, era melhor do que o original. Não entendo bulhufas sobre sodomia e beleza masculina, mas, seria capaz de bancar que o Elvis Presley verdadeiro tinha maior sex appeal do que Austin Butler. Tom Hanks, para variar, brilha imensamente na pele sebosa do Coronel Tom Parker, empresário do Elvis, um sujeito obviamente mau, o meu mais novo desafeto em matéria de vilões do passado. Saí do cinema com uma vontade danada de matá-lo outra vez, mas, isso estava fora da minha alçada e de Deus também.

Não sei se é por causa da idade, mas, tive enorme dificuldade em acompanhar a trama do filme, que me pareceu acelerado demais, poluído com flashes e ilustrações produzidas por computação gráfica. Minha caligrafia é um escândalo e os neurônios andam lentos, preguiçosos, acima de tudo, vândalos e cheios de má vontade. Prefiro mais a linearidade, a cadência bonita do samba, ou melhor, a cadência bonita de um story telling, conforme sucedeu nas ótimas filme-biografias de Ray Charles (“Ray”, de 2004) e John Lennon (“O Garoto de Liverpool”, de 2009). As baleias e os diretores de cinema não têm a menor culpa no que se refere às minhas limitações cognitivas. Mesmo assim, não custa nada reclamar, para encher linguiça e dar números finais a essa resenha jocosa.

Apesar de me sentir um tanto frustrado com o filme do Elvis, saí animadíssimo do cinema, saltitante, calvíssimo, repleto de sonhos e de planos, a requebrar os quadris como um faquir. Só que nenhuma criatura viva, nem mesmo uma barata, se atirou cativa aos meus pés. Eu estava mais para um cover cafona do Elvis, na famigerada fase de Las Vegas, tipo um cantor em final de carreira numa decadente casa de bingos no interior do Brasil. Por mim, tudo bem. Nasci e cresci roceiro. Tenho convicção de que, mesmo nos rincões mais longínquos, ainda haverei de encontrar um parceiro, um coirmão, um colega de idolatria por um roqueiro estelar que virou lenda.

A despeito da globalização, do bosta do Zuckerberg, da veloz conectividade que nos escraviza e une feito gêmeos xipófagos que se odeiam, se não pintar um Alzheimer, Elvis continuará vivo na minha memória afetiva, tipo um carnegão que não cicatriza. O Rei do Rock nunca vai sucumbir. A não ser que a esperança — sempre a última a morrer — bata as botas primeiro, para a tristeza daqueles que, assim como eu, são viciados em pão francês com margarina vegetal e em Elvis Presley; uma cambada alegre, festiva, de abnegados fãs do rock, idólatras da paz e amantes da boa música feita por seres humanos que jamais terão sangue de barata.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.