A longa carta de desculpas

A longa carta de desculpas

Uma indiana escreveu uma carta para seu irmão. Até aí, tudo bem. Ou não. Quem hoje escreve cartas? Mas não foi qualquer carta. Foi um verdadeiro livro de 434 metros — alô Guinness Book. A notícia diz que o irmão teria ficado chateado por não ter recebido feliz dia dos irmãos da irmã, a emissária da missiva. Em busca de sanar o problema, a inspirada mulher resolveu relatar na longa epístola a trajetória dos dois e certamente aproveitou para se desculpar.

Imagino que os políticos devem ao povo uma carta do tipo da criada pela indiana. Primeiro, os vereadores: desculpem por aumentarmos nosso próprio salário, por projetos de lei inúteis, por discursos teatrais no plenário, pelo acúmulo de meia dúzia de mandatos consecutivos sem fazer muita coisa. Depois os deputados, o que se aplica também aos senadores: desculpem pelas péssimas falas que fazemos, às vezes desconhecendo a existência dos plurais das palavras, errando palavras, negligenciando citar figuras históricas, pensamentos sociais ou filosóficos. Em seguida, os prefeitos, o que se aplica também aos governadores: desculpem pelas ruas esburacadas, pela escassa iluminação pública, pelas velhas árvores que tombam nas ruas, pela pracinha abandonada, coberta de mato e lixo, pelo posto de saúde sem remédio e sem médico, pela escola precarizada, pelo esgoto que corre nas portas das casas dos mais pobres.  

Podem juntar os muitos pedidos numa só e embaixo assinar. Ela será bem mais longa que a da mulher da Índia. Terá quilômetros e mais quilômetros de comprimento, constando casos particulares de compra de votos em troca de dentaduras, óculos ou saca de cimento. Constando casos de compartilhamento de fake news acerca de candidatos adversários, envolvendo geralmente questões familiares e morais: tal candidato é ateu, outro é seguidor do anticristo, outro na cama com duas.

O povo aguarda por esse gigantesco documento do qual milhares de homens e mulheres privilegiados serão signatários. Devem firmar acordo, nas linhas finais, que observadas as faltas graves cometidas, não mais realizarão tais práticas. A espera é diária, assim como diariamente surgem novos motivos para novas súplicas.