Ao longo de mais de um século, o cinema vem proporcionando ao homem um modo novo de dar asas ao devaneio quando aliou imagem e som enquanto narra uma história. Desde o pioneiro “Viagem à Lua” (1902), de Georges Méliès, a sétima arte vem intrigando a sociedade, antes pela novidade do dispositivo; hoje, por expor ideias cada vez mais inusitadas, tanto na forma como se apresenta determinado enredo quanto no teor da trama propriamente. Os filmes são responsáveis pelos momentos mais líricos da história da arte recente da humanidade, com cenas que abusam dos efeitos especiais ou, ao contrário, removem por completo o verniz da sofisticação estilística e deixam a natureza humana falar do jeito que sabe. A Bula apresenta uma lista que traz alguns dos registros mais singulares do cinema, seja pela história, seja pelo que passaram a representar no vasto conceito de cultura — cultura pop, artes, espetáculos — no mundo contemporâneo. Os filmes selecionados estão disponíveis gratuitamente na Netmovies.
Na Alemanha dos anos 1920 e 1930, Oskar Matzerath, um menino com limitações intelectuais, ganha de presente da mãe um tambor no seu terceiro aniversário. Aborrecido com a atmosfera de brigas e desentendimentos constantes na família, acossada, como quase toda a sociedade, pela proeminência do nazismo de Adolf Hitler (1889-1945), cuja figura se reveste de destaque crescente e maciça aceitação popular, Oskar toma a decisão que lhe parece mais sabia: parar de crescer.
Nick Longhetti trabalha como estivador num estaleiro e está sempre exausto. Mabel, sua mulher, começa a sentir os efeitos de uma depressão, tentando preservar algum equilíbrio emocional. Quando os filhos passam a ser afetados pela doença de Mabel, só resta a Nick interná-la. Vieram à baila muitas discussões sobre o filme à luz das ciências sociais e da antropologia: a história foi tachada de misógina, machista, ou tomada sob o ângulo muito mais benevolente do macho-alfa que fareja algo de podre na toca e toma a frente, mesmo sem saber se vai dar conta do recado, ou, ao contrário, do quão perdido fica o homem sem a mulher a lhe oferecer o necessário respaldo — doméstico, ao menos. “Uma Mulher sob Influência” é um clássico do cinema justamente por conseguir registrar com precisão nuclear as mudanças a que as sociedades do mundo todo começavam a se submeter, tendo as mulheres à proa.
Em 1935, Henri Charrière (1906-1973), conhecido pela alcunha de Papillon por causa da tatuagem de borboleta no peito, é condenado por homicídio e vai cumprir prisão perpétua na Guiana Francesa. Desde o início, os detentos são advertidos: aquele que tentar uma fuga há de amargar dois anos no isolamento mais terrível da solitária. A ameaça não intimida Papillon que, ajudado por Louis Dega, começa a estudar um plano para escapar das grades eternas. Numa das empreitadas, ele quase consegue e acaba numa colônia de hansenianos, de onde sai para uma comunidade de índios no Caribe e, finalmente, aporta na Ilha do Diabo. Henri Charrière morreu em 29 de julho de 1973, aos 66 anos, grande parte deles passados no Brasil.
Federico Fellini volta à Rimini de sua infância, cuidadosamente reconstituída nos estúdios da Cinecittà, na pele de Titta, um menino cheio de imaginação que vive cascavilhando o cotidiano buliçoso da vizinhança. Eram tempos duros, do fascismo mais desabrido, perseguições políticas que não raro redundavam em restrição de liberdade, tortura e morte, mas mesmo assim Titta-Fellini encontra um meio de enxergar graça em viver. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Amarcord” ainda é o trabalho mais lírico de Fellini por combinar à perfeição a fotografia de Giuseppe Rottuno, figurinos e cenários extravagantes de Danilo Donati e a trilha sonora nostálgica de Nino Rota.
Um homem atormentado por um desafeto decide dar cabo da própria vida se jogando de uma ponte em plena noite de Natal. A fim de evitar a tragédia, um postulante a anjo, que espera há 200 anos seu par de asas, é destacado para a missão de demovê-lo dessa infausta ideia e ajudá-lo a entender a dinâmica do mundo, que alegria e desventura se sucedem como parte de um ciclo divino, intentando atingir o propósito maior de incutir nele a premissa de que a vida é maravilhosa (nome original do filme, aliás). “A Felicidade Não Se Compra” é uma das produções mais queridas da história do cinema, fama que faz toda justiça a James Stewart, por sua vez um dos atores mais admirados de seu tempo. Esse namoradinho da América emplacava um sucesso atrás do outro —caso também do igualmente magistral “Na Estrada do Céu” —, sempre incorporando tipos o seu tanto gauche, mas amáveis na mesma proporção. “A Felicidade Não Se Compra” foi indicado a cinco Oscars, inclusive o de Melhor Filme, e foi eleito em 1998 o 11° numa lista dos 100 melhores já realizados, segundo o American Film Institute.