Seja para nos lembrar do quão pequenos somos todos, seja para exaltar o gosto pelo inusitado e pelo surpreendente em narrativas que reproduzem o drama de homens que se matam em nome de um princípio tão nobre quanto irracional, filmes cujos protagonistas se arvoram em paladinos da ética, mesmo em tempos em que a selvageria é vista como algo banal, se levantam como uma perspectiva corajosa sobre os motivos que conduzem países às guerras, que por seu turno dizimam a população masculina mais jovem, lançada a combates para os quais não dispõem da maturidade e da sensatez necessárias para os vencer. Nesse ponto, se avulta a premissa da guerra como um momento de virada na trajetória de rapazes inexperientes e impetuosos, desafiados a agir com a dose de cautela que lhes possibilite antever os próximos passos do inimigo e dessa forma pegá-lo no contrapé. Cada vez mais soldados e menos gente, instados a preterir suas visões de mundo em favor da dita causa nacional, os indivíduos que fazem a guerra se desintegram por sua causa, vítimas de males do corpo e da alma, com que têm de aprender a lidar do modo mais equilibrado possível.
Um franco-atirador recebe a missão de executar um suspeito, acusado de envolvimento em atividades terroristas. Os problemas, como sempre, começam quando esse objetivo perde seu caráter eminentemente pratico e é analisado de um ponto de vista mais próximo da humanidade mais pedestre: o homem é o pai da noiva, que decerto tinha planos bem diferentes para a solenidade da ocasião. Ele hesita, e sua dúvida abre flanco para outras incertezas: aquele homem, com uma história, com uma família, com sonhos — exatamente como ele — não é o motivo que o fez estar ali, a milhares de quilômetros de casa, num lugar qualquer do Oriente Médio. Correto sob o imperativo categórico, seu raciocínio o empurra para a faceta da guerra que os italianos Fabio Guaglione e Fabio Resinaro querem explorar em “Mine” (2016). Os diretores fazem de seu filme uma reflexão sobre a loucura que rege um conflito armado, por mais razão que se julgue ter — o que, como se conclui, termina por constituir um problema a mais para quem toma parte num evento como esse.
Armie Hammer está praticamente só ao longo de 106 minutos, dividindo a ação em passagens muito breves, ora com a noiva, Jenny, personagem de Annabelle Wallis, ora com Tommy, o parceiro de combate vivido por Tom Cullen. Seu personagem, o sargento Michael Stevens, ou simplesmente Mike, poupa a vida do sujeito que, segundo o jargão da guerra, deveria neutralizar e por pouco não é fuzilado por ele. Junto com Tommy, fugindo sem rumo pelo deserto, correndo desavisadamente pela areia, os dois pisam em minas terrestres instaladas pelos berberes. Tommy deflagra o explosivo, sofre um ferimento grave e morre alguns minutos depois, enquanto Mike fica com o pé esquerdo preso à bomba, o que dá azo à sequência de elucubrações filosóficas do roteiro de Guaglione e Resinaro. O nômade berbere interpretado por Clint Dyer o tortura com a ideia de que, haja o que houver, o sargento precisa dar o passo seguinte, que de uma maneira ou de outra, irá libertá-lo da agonia de permanecer de pé ao longo das próximas 52 horas, imóvel e a mercê das inclementes tempestades de areia, esperando o comboio que o irá socorrer. Algumas cenas depois, esse prazo é estendido, e Mike principia a considerar a recomendação do beduíno; é quando os diretores se aprofundam na dor não só física, mas principalmente na angústia existencial do protagonista, que conversa com Jenny em flashbacks, padece das alucinações geradas pela fome, pela exaustão e, por óbvio, por uma sede que o público sente com ele. A sutileza com que os diretores abordam o absurdo da guerra — qualquer guerra, por qualquer motivo — é o trunfo de “Mine”, um filme sofisticado e brutal.
Filme: Mine
Direção: Fabio Guaglione e Fabio Resinaro
Ano: 2016
Gêneros: Guerra/Thriller
Nota: 8/10