O estresse ainda vai acabar te matando

O estresse ainda vai acabar te matando

Não é a banha de porco o que mais mata. Nem a gordura trans. Nem o trânsito. Nem os trens desgovernados. Nem o governo Bolsonaro. Nem a fome. Nem a falta de chuva. Nem a chave-de-perna. Nem as guerras. Nem as balas perdidas. Nem a caxumba quando desce para as bolas. Nem os pianos que se atiram dos prédios. Nem o vício. Nem o tédio. Não é fazer sexo com o estômago cheio o que mais mata gente. Nem o Viagra. Nem a peste chinesa. Nem tomar leite com manga. Nem beber até cair. Nem pular de uma ponte. Nem praticar roleta russa. Nem os bombardeios em Kiev. Nem o Vladimir Putin. O que mais aflige, adoece e mata pessoas no mundo é o excesso de preocupações, mais popularmente conhecido como estresse.

Se eu soubesse, eu ensinava. Mas, ainda estou gatinhando e, além de limitado cognitivamente, sou meio lento para operar mudanças. Proponho compartilharmos a ignorância e aprendermos algo juntos. Não me refiro ao estresse físico, mas, ao estresse emocional, psíquico. Trata-se de um estado imensurável de sofrimento interior que principia na mente. Depois, vai descendo, vai descendo, vai descendo até se espalhar pelo corpo, tipo uma praga de cupim a lhe carcomer por dentro. Seria, grosso modo, comparável a uma goteira que pinga insistente até comprometer a estrutura física, fazendo com que tudo desabe. O corpo humano sente, bambeia e desaba. Ninguém é de ferro. Nem o inoxidável poeta Drummond que nasceu em Minas.

As ‘mina’ têm sempre razão: é impossível ficar imune às preocupações. Basta estar vivo para se apoquentar. Dilemas triviais da existência, a maioria deles sem resposta razoável, nos aturdem a todo instante. Perguntas do tipo: Por que vim ao mundo? Qual o propósito de Deus para a humanidade? Deus existe mesmo? E o Ponto G? O que vem após da morte? Estamos sós no universo? Quando morrer entrarei no céu? Lá tem futebol? Tribulações assim, bestas ou essenciais, inquietam até baiano, quem dirá, o mais recluso dos ermitões, aquele sujeito esquisitão, antissocial, que vive numa cabana no alto da montanha, longe das pessoas — oh glória! —, do trânsito, das balas perdidas, dos sequestros relâmpagos, das sinucas de bico, da porra da internet, do diabo do smartphone, da correria inútil, da costumeira falta de tempo para fazer o que gosta e dos trampos inglórios para sobreviver numa sociedade para lá de desigual e injusta. 

Preocupar-se, portanto, em maior ou menor grau, parece um lugar comum. Uma bobagem inerente ao ser humano, tipo menstruar. Não sei quanto ao Ponto G, mas, o xis da questão está em se exceder nas preocupações, a ponto de a coisa toda degringolar, evoluir para o estresse e começar a maltratar o corpo. Morar numa grande cidade, com todas as suas mazelas, suscita um tsunami de medos e receios. Surtar com o trânsito caótico. Cair numa cilada. Ter surrupiado o seu suado dinheirinho. Quebrar a empresa. Perder o emprego. Ver os filhos a passar fome. Tomar tiro de 12. Cair num baculejo da polícia. Receber uma intimação da receita federal. Escutar o oficial de justiça batendo palmas no portão. Não bastassem todos os dramas e melodramas de se viver em meio ao caos urbano, ainda desperdiçamos tempo e adrenalina num universo paralelo, ao tuitar asneiras, ao disseminar o ódio, ao navegar pelas famigeradas redes sociais da internet nas quais o assédio moral, o preconceito e a humilhação grassam sem limites.

Não será por acaso que as doenças mentais proliferam mais do que titica em pau de galinheiro. Depressão, ansiedade e síndrome do pânico, por exemplo, lotam os consultórios de psicologia e de psiquiatria. Nunca estivemos tão pilhados. E por causa dessa pilha de nervos, em última instância, minamos a saúde corporal. O estresse provoca a liberação de substâncias nocivas na corrente sanguínea, partículas venenosas que aceleram o coração, contraem as coronárias, tiram o sono, aumentam a acidez gástrica, sangram os intestinos, corroem as tripas, brocham e, em última instância, no auge da toxicidade interna, levam ao motim celular, mais conhecido como câncer, que deve ser uma tentativa estúpida de células teciduais injuriadas para assumir o poder do organismo, criando uma rebelião microscópica cujos resultado danosos põem tudo a perder.

Estou vendendo bons conselhos. Aceito o pagamento em pudins de leite condensado. Se o negócio prosperar, vou investir os meus trocados na produção de literatura de autoajuda. Em matéria de angústia, tem sempre alguém no osso; eu, por exemplo. Enfim, divagações à parte, ficam aqui algumas dicas para os leitores estressados. Suponho que sejam uma maioria que sofre calada.

Reclame menos. Ouça as pessoas com mais atenção e com real interesse. Busque se aconselhar com pessoas mais velhas, mais experimentadas, nas quais você confie. Não vai querer repetir os erros triviais, certo? Aprenda com seus conselheiros veteranos os pulos do gato. Se ainda estiver empregado, exaurido, avalie maneirar a carga excessiva de trabalho, sem, contudo, tomar um pé na bunda. Reserve mais tempo para o ócio, para praticar esportes, para relaxar, para se dedicar às atividades culturais e lúdicas. Quando estiver de folga, desconecte-se dos aparelhos eletrônicos, ande descalço, medite, pratique jardinagem, faça trilhas no mato, tome banho de cachoeira, colha frutos no pé, diminua o tempo de permanência na internet e nas redes sociais que, quase sempre, puxam você para baixo, sugando boa parte da sua energia vital. Pode parecer estranho, antiquado, inconveniente, idiota, mas, visite as pessoas que você gosta. Sei que o ser humano parece terrível, mas, tente amá-lo assim mesmo. Amanhã ninguém sabe. Espero que essa constatação óbvia não lhe deixe ainda mais estressado.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.