Muito do que acontece nos intestinos do poder nunca vem a público. Os conchavos, o tráfico de influência, os acordos espúrios, as fortunas transportadas em malas rumo a paraísos fiscais de onde raramente voltam, tudo bancado com dinheiro do contribuinte, usado para engambelar esse mesmo pobre contribuinte. Não obstante a marcação cerrada da imprensa — da que não aceita tomar parte nesses expedientes pouco republicanos, pelo menos —, políticos sempre dão um jeito de se lambuzar nas benesses e nas possibilidades de negócios obscuros proporcionadas por seu ofício, em muitas circunstâncias valendo-se das próprias leis e suas tantas brechas. Lamentavelmente, o número de políticos honestos, que usam a prerrogativa de que lhes investiu o eleitor de fiscalizar as outras instâncias de poder e elaborar leis capazes de fomentar o bom uso dos recursos vindos dos impostos, aplicá-las e não permitir que sejam ignoradas torna-se cada vez menor. Mal com que o brasileiro convive do momento em que vê a luz do mundo até a hora de sua morte, a política como atividade criminosa acontece em todo o planeta, talvez em escala menor do que aqui, mas sempre implicando prejuízo geral.
“Intrigas de Estado” (2009) escancara o ambiente insalubre da política que não se deixa penetrar e o exercício do jornalismo, atividade relacionada à investigação de agentes do Estado que muitas vezes resta debalde, justamente por causa da força exercida nos bastidores. O filme do britânico Kevin Macdonald critica por igual tanto o fazer político, fonte de ações nefastas ao cidadão comum, como o dia a dia atribulado de profissionais da imprensa, que nem sempre conseguem acompanhar os desdobramentos de muitos casos assim. Aqui, a grande antagonista é uma empresa que começa a ser questionada quanto a seu crescimento assombroso, ao passo que delitos misteriosos também se tornam uma constante em Washington. Primeiro, um homem é assassinado a tiros; depois, a testemunha, uma mulher, também aparece morta, o que aguça o faro do repórter Cal MacCaffrey, do “Washington Globe”. Cal, interpretado por Russell Crowe, é o responsável pela cobertura dos crimes; o personagem de Russell Crowe, muito diferente de como o espectador se habituou a vê-lo, investiga quem poderia ser o possível assassino, tomando a premissa de que a morte não fora aleatória, e acerta: a vítima era funcionária do deputado Stephen Collins, de Ben Affleck, que acaba confessando o caso extraconjugal durante audiência no Congresso. Sua esposa, Anne, assiste a tudo pela televisão e dias depois concede entrevista coletiva a fim de explicitar seu apoio ao marido. Anne, personagem de Robin Wright Penn, já fora amante de Cal quando os dois eram universitários, e esse reencontro se revela impactante para os dois. Encerrando o segundo ato do filme, Macdonald acrescenta à história a informação de que o homem morto carregava uma maleta, roubada da PointCorp, empresa que deve boa parte de seu capital a negócios com o governo. O cerco em torno de Collins se fecha.
Há certos detalhes em “Intrigas de Estado” que despertam a curiosidade de quem assiste, como a entrada em cena de Della Frye, a assistente de Cal vivida por Rachel McAdams, muito mais competente que ele e sem suas conexões um tanto promíscuas. Nesse ponto, o diretor volta as baterias a uma bem elaborada crítica a dado gênero de jornalismo, que só avança mediante seus próprios conchavos com os poderosos de turno, o que se verifica na amizade do veterano do se caso do “Washington Globe” e o deputado Collins. Macdonald reforça estereótipos com Cameron Lynne, a editora-chefe meio carrasco de Helen Mirren, que apesar de extremamente ética e, ao que parece, muito experiente, deixa-se seduzir pela pretensa facilidade de Cal em descobrir os podres do congressista.
Evidentemente, ninguém pode tomar “Intrigas de Estado” como exemplo cabal de thriller político que esmiúça laços suspeitos entre políticos e jornalistas. O que o filme pretende mesmo é, ao menos, apontar para essa realidade, botar o dedo na ferida, ainda que de leve. O todo resulta numa produção que observa bons níveis técnicos, bem montada, com enquadramentos pensados de modo a valorizar a ótima fotografia de Rodrigo Prieto. Chafurdando no lugar-comum, o roteiro de Billy Ray, Matthew Michael Carnahan e Tony Gilroy fazem com que Cal passe por herói, cedendo parte de seu sucesso a Della. Era o mínimo.
Filme: Intrigas de Estado
Direção: Kevin Macdonald
Ano: 2009
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 7/10