Fazer 40 anos: ensaio de ideias ficcionais Anton Ivanov / Shutterstock

Fazer 40 anos: ensaio de ideias ficcionais

Talvez esta seja mesmo a grande epifania das idades. Uma espécie de glória botânica ou cativa dos animais e de tudo o que é vivo. Um momento espiritual, também moral. É um costume dos pagãos e uma celebração dos religiosos. É o dia a dia dos aniversários, mas dentre os aniversários, é o mais aniversário de todos os aniversários.

Quarenta anos: o aniversário dos aniversários.

Assim será, especialmente se a contra-faca, de João Cabral de Melo Neto, estiver a dar a sua melhor visão. Se assim for, assim vai ser se a hora do pão para um entregador, a hora da coleta do lixeiro, ou para um escritor, pintor e promotor de justiça, momento de trazer o presente ao paladar e melhorar o dia especial, seja na acolhida do almoço modesto, seja pela falta da disposição do café da manhã. Sabemos fechar o dia com o jantar: e ele é a refeição especial, até nos dias ordinários. É ele a refeição escolhida para as celebrações em volta da mesa.

E nas refeições da noite, por tradição, costume e religião, somos ainda mais generosos.

Se festas de aniversário gozam de certa autoria, revelando a marca que somente a intimidade do homenageado conhece, assim, a música erudita, que poderia sinalizar espírito taciturno, ao paladar do meu eu espiritual, um grande contentamento deixaria cheio de júbilos a minha satisfação.

Os espíritos, que nos olham, pois nesses dias os nossos queridos se enriquecem por nós, e sabem — todos sabem — se algo dá errado — e costuma dar, o riso dá a paleta de cores da noite, que tudo passará. Aliás, dar errado faz tão parte do menu que cada coisa que dá errado faz tudo dar certo: pouca habilidade para uma dançarina, dividida entre o cômico, o patético e o clinicamente irresponsável, desviaria a nossa atenção. Vez ou outra, a conversa pacífica se torna um ring verbal evitável, mas e quem lá está a fim de evitar? Esse ring acaba esfriando uma amizade, claro, e colocando em todo o coletivo a diáspora passageira. Agora, só até o próximo copo, quando o corpo diz adeus aos palcos.

Os 40 são um ensaio de morrer. Ter um amigo editor dos nossos caminhos, cujas bulas são a do nosso tudo, do nosso todo. Isso ajuda a morrer, é um contra-enterro a cada texto lido e publicado.

Os movimentos não dão mais conta da leveza da dança, mas se sabe, ainda, admirar e flertar com dois ou três passos numa contradança. Não há hierarquia ou currículo a ser avaliado quando a festa se exerce como festa que é, platônica e dionisíaca, anti-aristotélica e anti-apolínea. Assim deve ser, e essa expertise nos permite ser, nas festas, mais de nós.

Para um escritor, há uma diferença: este, que tem a responsabilidade de ser poeta, de entregar poesia ao mundo; este está vivendo o seu momento máximo aos 40, sabendo estar com o que sabe e meditando sobre o que deve aprender, o que lhe resta saber, confabulando, poeticamente, se terá tempo para tal aprendizagem e continuidade.

Resta a pergunta, não a respeito do que o escritor sabe, mas sim a respeito do que ele desconhece.

Um escritor, diante do tempo e seu aprendizado, já é uma imagem de tal eloquência que convence pelo silêncio do princípio do mundo.

 Tema de humanismo levado ao limite, há entre os amigos editores: as arestas do seu céu, se talento há para compor o seu céu particular, é o limite do editor. A festa, para ele, é um elemento de análise, cujos detalhes, que foram domesticados para fazer gozar à turba leitora, com terno e gravata, vendo a vida alheia acontecer, é na verdade um grande costureiro, é o maestro da noite que virá, pela dança e pelas vestes.

Contudo, ele sabe que pode fazer rir e chorar — mas fazer sorrir aos personagens desta festa agrediria, não a eles, mas ao ethos da ocasião.

Eu sempre quis ser escritor. Eu nunca serei escritor. Unir a forma ao conteúdo, na justa expressão de uma ideia estética: eu aprendi, em 40 anos, tudo sobre o que quis saber sobre a literatura, mas jamais serei, e em paz, escritor! Roland Barthes mostrou-me que a crítica poderia e deveria ser criativa, levando a pensar pela beleza.

Na busca, durante este texto, da forma e do conteúdo, eu, arriscando, quis vangloriar, medalhar, defender a primeira pessoa do singular. A primeira pessoa do singular está aqui em jogo? Vai dar certo? Quis desafiar Barthes, o meu maior professor, que ia daqui para ali com o mais elegante espetáculo de streptease que podia haver: a escrita.

Quem escreve está nu.

Fazer ter a voz do que estudei e estudo, modulando essa voz do crítico e do cronista. Busquei a dicção exata do texto.

Em primeira pessoa do singular há uma altivez autoritária e soberba, curiosamente imperativa, a de que há quem mande no que fala e na forma como fala, e escreve. Um texto é uma festa e poderia ter sido feito para uma banda. Nós sabemos, com o Aristóteles, em sua “Retórica”, que o público determina a forma de convencer. Assim, sabemos, com Barthes, que “por onde começar?” sempre será a grave questão.

É que (e se) saberemos, com Barthes, da questão que ele tão bem faz, cuja resposta a crítica não traz, quando é algum tipo de arremedo, há, na festa, que pergunta de antemão, recusando-se a responder: ele não quer ensinar a ler ou escrever: ele quer nos ensinar a perguntar, e nosso baile, mais de ideias, só tem perguntas.

Barthes foi à festa, pois ele está em tudo que dela impera, e ele é meu imperador.

Parecia mal saber do verdadeiro poder da Primeira Pessoa do Singular, que eu achava, inicialmente, que vivemos como se houvesse o Loureiro, pássaro que nos repete falando na primeira pessoa. Altivo. Sempre perguntamos o que sabemos. Barthes me ensinou que cabe saber formular a pergunta, e que ela, poética, será sempre mais nobre que a resposta.

Que semana modesta a do meu aniversário de 40 anos, embora guarde segredos, pois esta é a voz que aglutina a voz do sem idade, com a voz do maduro quarentão.

Quiçá um batalhão de eus mesmo tenha feito a festa e me convidei, e até me recusei a ir. É que alguns de mim estavam menos vívidos e vividos, encantados com a clientela que sempre frequentou a casa. Com honra imperial o jardineiro foi servido naquela noite. Pedido meu? Não. Pedido do editor; do jornal, não da revista, sujeito com o coração e a inteligência, que tem uma bula de opções pra tudo na vida.

Este modo, primeira pessoa do singular, tem um papel lindo.

Voltar-se sobre si para discutir sua natureza e seus recursos, ao se pronunciar, é o triunfo civilizatório, se é que isso é um marco. Deixar algum marco hoje, além do aniversário?

De quem é a festa?

O pronome escolhido (pra Deus) é fatal. Ora, de quem falamos ao atribuir a festa: é Dele, a festa, a glória, o sucesso e o fracasso.

Eu, leitor de mim mesmo enquanto (me) escrevo, ouço os outros autores, e eles falam deles mesmos com um obtuso (tu?). Por isso, Barthes me salvou, é lindo que seja na composição sobre mim que se faça meu trabalho, sem que eu fale, tematicamente, sobre o eu que me habita.

Por fim, falaremos dos que fizeram esse texto, sobre alguém que vem e sobre um deles, que tem um compromisso com a linguagem, como todos.

É estranho, numa festa todos passam do ponto, mesmo sem beber e fumar: nessa transgressão está há agressão: é nos prostíbulos, e não na Igreja, que se reza melhor. E nessa festa, os padres fumam, bebem… e vivem entre eles, se me entendem.

Os grandes padres sabem entregar a alegria de Cristo, e cada sorriso se torna uma hóstia. As rodas coletivas viram homilias vividas, como uma canção da eucaristia. O poeta, pintor e curador da família tradicional foi, mas como uma hóstia, porque conhecer pessoalmente é irrelevante se não houver elo: se me perguntam, sim, somos amigos; mas se me perguntam quando nos vimos, a resposta será nunca, e com ele tive conversas nas quais dei e recebi atenção raras, de quem está ao meu lado.

Por que o homenageado vem e não vem? Ora, ele não se apresenta? Mas está em toda parte: ele está na festa e é a festa, porque a festa, nele e para ele, é a LINGUAGEM.

Ele não vem para não criar um amor que seja inviável a ele, pois não sabemos falar do amor, pois amor nunca vem e não existe.

Ao ponto de não esperar nada, já que nada existe, além da linguagem, um amor que não cabe em suas coisas, cujos botões não sabe modular, manifesta-se: amor tratado como a roupa de rico, para a qual se olha, mas se sabe, jamais se terá; e mesmo se tiver, ela será dos outros, pois é para eles, os corpos desenhados que os vestirá. Esse é o grande texto, nunca nosso, porque existe para o outro: já bem disse Wolfgang Iser, quem completa a literatura é quem abre aquelas folhas e as fazem virar livro.

Altivo eu: o autor do texto, além do quarentão em questão, faz e regra, cria e recusa. É que se não houvesse um eu de mim para mim, o aniversário de 40 anos sequer existiria.

A primeira pessoa do singular abre a semeadura para uma autoria altiva, requintada, sofisticadas como são as coisas simples.

Assim devem ser as autorias, é elegante, e toda elegância é triunfante: se vem exagero, no começo do canto do pássaro, ou nas brilhantes apoteoses de Elis, não perdem o charme. É brilhante, movido pela força de Piafi.

A festa dos 40, parecia e seguia as regras das honrarias. Divertia sem perder a chance de ensinar, pois PARATODOS abriu a solenidade. Ensinando-nos sobre a miscigenação, a medida dos versos das redondilhas, e da generosidade de se abrir a quem vem, Chico Buarque introduz o filósofo Horácio, mostrando, na minha festa, que se pode aprender com deleite.

Aos 40 cabe enorme responsabilidade — no caso — sobre a autoria: ela é maior por parte deles, os jovens, e outro aspecto chama a atenção: uma composição é de grande parte coisa e ato. Mas a questão é que, aos 40, a gracinha deu à transmissão caráter híbrido: graciosa, mas séria, ela é, sobretudo, triste. A composição se torna uma autoridade, antes dos 60/70, com uma reluzente faixa de espectro que traz/traria/trará, as insígnias: “Confiança e respeito”. Reserva moral do Brasil, com tantos a admirar-se: composição, tanto para fazer.

Há uma autoridade na composição de quem iluminou, sonorizou, mas falo da autoridade do caminhar, com honra, ao mundo dos profissionais do Direito, no seu caso quase central, conduzir-se como os seus. Esse promotor fez, até aqui, o que almejei toda vez que ensejo escrever. Afetos e admiração andam juntos, mas foram concebidos em horas distintas: inverte-se. Fazendo, poiesis grega, primeiro, veio o Respeito e, depois, o afeto.

A honra pode mais do que a autoridade.

A fonte da autoridade das vivências e de tudo o que elas carregam vem delas, da natureza que os muitos tipos de calos nos conferem: é dessa autoria/autoridade de que falo.

A maior delas é uma acumulação responsável, que uma dimensão humana, uma compreensão tão exegeta e entendimento de um código moral, legal, costuráveis só entre os que tem a honra de compor sem jamais ter lido um livro: com o tecido, sabem, a palavra texto vem de tecido, tessitura, e das gentes que fazem tessitura, na minha família, a mais altiva reina, como mãe e rainha. Ela salvou a todos porque sabia, era maior que um médico, pois é preciso se vestir para ir cuidar da saúde.

Costumeiro: o peso do dever; a modalidade do poder Imperativo, em suas dimensões políticas, culturais e humanas, fazem de jornalistas, especialmente os de única erudição, pluralidade contagiante e habilidade para apurar, um exemplo para o  seu povo, recebendo e ensinando os mais jovens, sem ter medo do novo, porque há algo de único na credibilidade deste jornalista sem igual: ele se tornou autoridade no exercício das alteridades: quase não sai de casa e do trabalho; mesmo sem mandar, como se recebesse uma virtual comenda, é o melhor dentre os seus. Sua autoridade não está diplomada, mas impensada pelos seus pares, amigos e principalmente, pelos seus leitores. Ensina, aconselha, incentiva; mais, tenta conciliar do que atritar, mesmo que seja obrigado a falar do que agrada A e desagrada B. Sua inteligência é reluzente e faz com que, em cinco minutos, desdobre a história da mais célebre padaria de São Paulo, um espetáculo. Mas porque não quis ir mais longe? Porque a distância que percorre é sua, e nesta ele está muito longe de nós.

Uma autoridade é assumir uma atitude de responsabilidade. Mas é, no caso do professor, o reconhecimento da inteligência coletiva, que seria, por si, sozinha, gigante, coisa dada e verdade incontestável mesmo se não fosse feito para ninguém. Ensinar é um ato imperial, pois este é sempre feito para alguém. Quando é gigante o professor, mesmo que seu cunho especial não esteja sempre ali, alguns são tão grandes em ensinar que ensinariam só por serem quem são.

Ainda assim seria fraco fomentar estas autoridades (do jornalista e do professor), balizadas, de todos os modos, a quem quisesse ler ou ver, lendo a erudição tão bem comunicada no jornal, vendo as gravuras deste professor poeta que ainda é artista plástico; na sua página como poeta temos um momento à parte. o poeta é um gênio que diz precisar escrever; romancista, contista, com as obras cuja natureza se lhes confere e significam, por conjunto e unidade, a inteligência, o talento e a dignidade de um gênio.

O que faltaria à figura do jornalista genial, é o que desse a demonstração da sua capacidade, rara, de ler as pessoas. Mas não só onde pede ser seu dever, e sim onde isso se dá como encarnação espiritual: vocação, vemos o brilho ocorrer. É impressionante ver o brilho de Balzac de saber conduzir quaisquer diálogos. A honraria da composição têxtil: já que, como foi dito, nas costureiras há uma dimensão de vida plena: para ir ao médico é preciso se vestir, e a ausência de nossas artes são graças a Deus, inúteis, já a nudez pública, criminaliza-se, prende-se quem não se veste, e vemos, assim, o poder dado ao costureiro, que ele muitas vezes nem sabe que tem.

Ainda do jornalista: a capacidade de unir os contrários, de fazer esperar a roupa, não como opção única, mas como condução. Aristóteles: aqui, precisa de seu Física: o dono do tempo não é mais quem destrói, e sim quem constrói, ornando a vida e tudo com o bordar e cerzir. Se alguém atende e imita, admira e reverencia este jornalista, torna-se o pai do Céu.

Há, no jornalista-editor, uma tessitura de pessoas humanas que é feita de algo que nasce noutro tipo de jornalista, completando-se assim a ideia de que, nele, tudo é fonte, autoria, criatividade e um nível sublime de autoridade.

Ninguém é alheio a nada. Alguém fez, assinou, e agora cumpre as responsabilidades.

O amigo-promotor: Quem fez 40 anos perdeu a desculpa para se esconder numa segunda unidade pessoal, seja do singular ou do plural (em inglês ou português).

O direito de dizer “nós” fica mais elástico, afinal, a responsabilidade do jure sempre é proporcional e teatral: que seja em prol da amizade, nada mais Assim querem alguns retóricos.

Nada nunca foi feito de mal, por este que aniversaria.

Se eu for julgar meus amigos pelos méritos e deméritos, teria (tenho) pouca gente ao redor de quem não cobrar emocionado abraço. 

Meus 40 anos, se não foram como deveriam, tiveram a intensidade do sonho e do colapso: eu morei em três cidades, duas delas as maiores do país: trabalhei nas melhores instituições do Brasil, das quais duas delas, arrependido, desliguei-me porque quis.

O doutorado viria para me fazer Doutor, com pompa e circunstância, pois serei Doutor pela USP, a maior universidade do Hemisfério Sul, e Goiânia se vingará, mostrando o nada da conquista.

Em Goiás, amanhã nunca é um outro dia.

Intensos anos foram duros e pesados, especialmente os sem os meus pais: eles poderiam ter visto tanta vida dos filhos; poderiam ter visto eu fazer a emblemática idade, mas nenhum teve essa sorte.

Um deles, minha mãe, deixou essa impressão, de um cumprimento singular, e quem se despediu da sua vida, numa outorga de autoridade filial, encerrou a nossa história. No meu caso foi o amor fraterno o lastro que validou o rito, pois dessa delegação de poder filial veio a certeza de que ali era o filho a se despedir da mãe. A outorga foi do afeto, confiança, foi da honra; o amor, respeito.

Há um mistério neste gesto: ele é um presente, pois despedindo-se dela, em mim, eu sei, a ele um filho melhor do que eu lhe foi dado, na ficção, que nos unia. De certo modo, demos o presente: ele atendeu ao meu pedido; ela recebeu o filho por empréstimo, e em seu gigantismo, Dona Neusa emprestou o filho.

Sabemos, depois dos 40, se a corda aperta mais. Ganhemos mais ou menos, os adjetivos de velhos reivindicando direitos virão. para a mulher, ou homem, pobre ou rico.

Incomoda: passaremos a ter direitos que não tínhamos sem a nossa maior das idades. Dos que estão fazendo 40 anos, estes direitos estariam lá apenas nos esperando, para dizermos que ficamos velhotes, caso não precisemos mais.

É diferente a questão ou o ponto que separam os de 30 anos dos de 40, e são estas pontes distintas das fronteiras, sequentes, tão graves que apartam dois mesmos lados, o dos que tem já 40 dos que tem 50.

Separados, liricamente, os cinquentenários dos sexagenários: tudo era erva barbada, sol inocente, orvalho de luar aos 50, dizem os de 60.

No primeiro caso, da idade menor, entre os 30 e 40, muitas questões amorosas existem, mas as duas criaturas, similares nas idades, geralmente são o depositário de um mimo alienante da realidade, pois creem na realidade de que há teorias mil sobre relacionamentos, nas quais se encaixam e justificam; para eles, com problemas ordinários, os seus casos são profundos e existenciais. A verdade: dois mimados.

Nos dias lindos de São Paulo era sublime o que me vestia: eram as eternas e fugazes folhas de cerejeira do Parque do Carmo. Nisso, nesse nada, e nesse tudo, eu sou tão exíguo em não abdicar.

É tudo uma droga, mas eu preciso do MASP.

Ah, quem eu era e quem eu sou: quanto de real nada de nada para a existência, para se reprovar ou se aprovar?

Mas eu me vingo. Vingo-me porque a insistência é triunfante.

Eu os adoro a todos.

Vivo onde mora a admiração. Tenho-os no guardado das referências, e coloco-os na formação da amizade criada por Santo Agostinho: exemplos, que só devem expiar a criação no julgamento do que não se faz: se encerram, nessa festa de aniversário de 40 anos.

Não conseguimos, por isso, eu vou sempre decretar a derrota dos vencedores: gratuitamente eu vou amá-los, gratuitamente eu me lembrarei de quando ligava para saber se uma gripe estava lá; sem esperar por nada; continuarei tendo, pelo Promotor, um afeto sem questões, porque ele é puro e tem amor a isso. Persistirei em um afeto sem causa, medida, sem dimensão, mas que me dá o saber do quanto pesa o silêncio do amor por mim se vem dos editores ou do irmão que já foi emprestado a mim.

Ainda assim, eu venci: ainda assim, terei que vir para continuar e prestar contas morais.

Precisamos mais do amor que sentimos do que do amor que recebemos.

 Pensar nisso, ao fazer 40 anos! É um ano em quê, por pensarmos, teremos 365 dias nos perturbando, “o que Pretende Proust?”. A segunda questão deste ano produtivo será sobre o passado: as ditas duras fotos.

Não são do Rio ou de São Paulo as ditas fotografias, e as fotos, anunciando o peso da casa de vento, em que vivi com tanto amor e simplicidade. Eu, que vivi e fiz, nunca perdoarei Goiânia. Na troca, por opção, em contrário de perdoar Goiânia, vou apenas amá-la e respeitá-la como a terra de onde eu vim.

Em Goiânia, menti a idade e também me mentiram a idade: a minha certeza diante da data de outro nascimento, o fez recuar: duas coisas, que só um amigo mesmo sabe: quem é a mulher que ele ama e, principalmente, por que ela e não outras, e dentre todos os porquês qual o central. A segunda é saber sem titubear que ele era um dia de um ano da década de 1970.

O tempo é demais. São 40 anos, e só penso que minha mãe não está. mais aqui, em tudo o que isso acarreta. Infantil: erro tentar apagar o dístico poético que as consciências se emolduram: a vida são duas ruas apenas: peguei a certa? Que andem de mãos dadas essas ruas, como dois pares diferentes e essenciais. Pelas mãos de Cervantes.

Apesar de, por mais da metade dos 40 anos, neles todos eu ter defendido os amigos, quando fui bravo diante da verdade das mentiras italianas universitárias, a mentira (e as anedotas), venceram-me e me fizeram vilão: mas meninos, eu vi, e meninos, eu filmei, e se acham que perdi, mais uma vez venci, pois hoje me orgulho de ter ficado do mesmo lado de Noé Freire Sandes.

Outros dois amigos virão do porão da maior saudade fraternal já bebida.

Em meu final, o amigo e o professor seguem, juntos, como se não houvesse o tempo e a mágoa por nada, indo a um recital de seus poemas, seguindo a um vernissage, com as suas gravuras. É que dos amigos, o professor é o gênio, e é natural que ele seja protagonista.

Como disse Rosa: “Assim a história é acabada. Assim a história acabou. Assim a história acaba”.

Carlos Augusto Silva

É professor de Literatura e História da Arte. Licenciado em Letras e História, é bacharel em Literatura e Especialista em Estética e História da Arte. Mestre em Estudos Literários, cursa o doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. É autor dos livros “Dicionário Proust”, “Proust e a História” e “Opção Crítica”.