Absurdo e delirante, novo thriller de terror da Netflix vai te fazer revirar no sofá até a última cena Foto: Divulgação / Netflix

Absurdo e delirante, novo thriller de terror da Netflix vai te fazer revirar no sofá até a última cena

A mistura de tecnologia com sentimentos básicos da natureza humana tem rendido filmes memoráveis. Este é o caso, por exemplo, de “2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968), dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999), sobre um robô em pane que passa a pensar como os vaidosos homo  sapiens e tenta assumir o controle de uma missão interplanetária, um dos clássicos do gênero, responsável por popularizá-lo e sacramentar seu capital artístico na indústria cinematográfica, ou “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), de Alex Garland, sobre uma criatura inventada pelo homem que primeiro o seduz para, em seguida, dominá-lo e usurpar-lhe a condição de líder, um dos melhores do gênero, ou seja, um “2001” revisitado. Desde a estreia do longa de Kubrick, a ficção científica se fundiu a muitas outras maneiras de se levar uma história à tela, quase sempre seguindo esse mesmo padrão, ressaltar o perverso em mecanismos desenvolvidos originalmente para auxiliar, entreter e garantir alguma proteção aos seres humanos, mas por uma razão ou outra, acabam por se desgarrar e tornam-se seus adversários e mesmo seus algozes.

Numa compreensão meio ampla, “Escolha ou Morra” trata de assunto parecido. Certo de que não pode reinventar a roda — se é que alguma vez o quis —, o diretor Toby Meakins faz um bom trabalho em seu filme de estreia. Contando com caixa magro e um caldeirão de ideias fervendo na cabeça, como sói acontecer, sobretudo em tramas desse jaez, Meakins viu no roteiro de Simon Allen um terreno fértil para desdobrar um enredo sem dúvida flagrantemente absurdo, impossível de se admitir no universo do cotidiano, mas empolgante. Já na sequência inicial, de uma família vivendo momentos de animosidade, fica patente que os conflitos se originam por causas diversas, mas em alguma medida passam pela importância que maus hábitos da vida contemporânea adquirem no dia a dia. O pai vivido por Eddie Marsan logo se isola numa verdadeira caverna, refúgio que lhe permite se livrar do enfrentamento ruidoso entre a mulher, personagem de Kate Fleetwood, e o filho, de Pete Machale. Para que a fuga da realidade seja completa, esse homem angustiado começa a jogar um videogame obsoleto, e logo se sabe quem comanda quem. O jogo se configura de modo autônomo, projetando em verde luminoso numa tela negra dizeres que expressam desejos e ordens irracionais por meio de perguntas sem sentido. Ao responder a uma dessas e voltar para a área social da casa, se depara com o filho vertendo sangue pela boca. Resta claro que tudo aquilo só aconteceu porque o jogo o determinou, baseando-se na alternativa de resposta que navia escolhido para uma das questões. Uma vez começada, a partida só termina quando a máquina permite, enquanto a cadeia de situações macabras se eterniza, até que ele seja capaz de interromper esse fluxo e avançar para o próximo segmento, de novos cenários onde continuará a ser necessário analisar conjunturas desconhecidas e tomar outras decisões, elegendo os critérios que considera mais determinantes.

A entrada em cena de Kayla, interpretada por Iola Evans, vira uma chave em “Escolha ou Morra”. Sonhadora, a garota luta por seus sonhos, ainda que o presente só lhe reserve o posto de faxineira de um prédio de escritórios, enquanto se esforça para não se descuidar da mãe, personagem de Angela Griffin, cada vez mais debilitada pelo vício em drogas, e para manter o aluguel em dia — ou ao menos estender ao máximo a ordem de despejo do apartamento precário em que vivem, já expedida pelo juiz. Seu único amigo, Isaac, é um nerd que passa dias enfurnado num porão atulhado de quinquilharias, ávido por desenvolver um novo jogo de computador e tirar o pé da lama. Junto com o personagem de Asa Butterfield, Kayla descobre uma relíquia: um outro jogo, antigo, que oferecia um prêmio em dinheiro para quem chegasse à fase final. Não por coincidência, esse é justamente o jogo a que o personagem de Marsan se dedicava no introito, e se passam com Kayla os mesmos eventos, com consequências nefastas, para Isaac, para sua mãe e para si mesma, além de envolver ainda a garçonete interpretada por Ioanna Kimbook.

Tudo em “Escolha ou Morra” é um tanto simples, e isso não é necessariamente ruim. O filme deve grande parte da carga dramática que o sustenta a Evans, muito melhor que Butterfield, que conta com muito mais quilometragem e não reproduz quase nada do excelente desempenho na série “Sex Education” (2019). A direção de Toby Meakins é segura, firme, persuasiva, e ainda que a narrativa permaneça à solta em passagens específicas, seu trabalho tem musculatura, inclusive para se desdobrar numa sequência, se for o caso. Resta apurar melhor o argumento central, não se fixar em nomes famosos e ousar um pouco mais, não se deixando seduzir por promessas ainda etéreas demais.


Filme: Escolha ou Morra
Direção: Toby Meakins
Ano:
2022
Gêneros:
Terror/Suspense
Nota:
8/10