O filme mais brutal do catálogo da Netflix

O filme mais brutal do catálogo da Netflix

“O Albergue” (2005) não poderia ter DNA mais insigne. Produzido por Quentin Tarantino, o filme, que conta com a direção cuidadosa de Eli Roth, remete ao melhor do terror, de George Romero (1940-2017) a John Carpenter, passando por Wes Craven (1939-2015) e Mario Bava (1914-1980). Pensado para ser apreciado à moda antiga, de preferência num cinema cheio de espectadores apavorados, “O Albergue” apresenta características que muito terror raiz não tem, a começar pela honestidade.

Roth conhece suas limitações como diretor, bem como também sabe o que funciona ou não numa história como a sua. Seus cortes são precisos, mas não secos, o que proporciona a quem assiste a chance de conjecturar sobre diferentes desdobramentos para a sequência em tela. É um enredo de horror que obedece à risca aos protocolos do gênero, principalmente no que respeita à fotografia — Milan Chadima acerta em cheio ao conservar o filme numa eterna penumbra, como se o público fosse obrigado a atravessar aquela névoa densa de mistério se quiser mesmo viver a história. Ainda mais que a fotografia, a trilha sonora de Nathan Barr já impacta de cara, transmitindo o clima noir de que de quando em quando a trama se reveste.

“O Albergue” não pretende reinventar a roda, e o que se segue é relativamente simples, mas bem-feito. Josh, interpretado por Derek Richardson, e Paxton, vivido por Jay Hernandez, viajam pela Europa com Oli, personagem de Eythor Gudjonsson, um islandês que conheceram no caminho. Numa parada em Amsterdã, famosa por sua permissividade, estão dispostos a farras regadas a muita cerveja, maconha e, claro, sexo, nos peepshows do Red Light District. O roteiro desses peregrinos profanos é cumprido, e em conversas com alguns moradores do albergue onde estão hospedados, ficam sabendo que a luxúria da capital da Holanda não é nada se comparada ao que acontece em Bratislava, na Eslováquia, onde basta ser estrangeiro, em especial dos Estados Unidos, para se dar muito bem com as nativas. Eles, por óbvio, não se importam com mais nada e só querem chegar o quanto antes a esse paraíso do sexo fácil, onde pretendem continuar as férias mais desatinadas de suas vidas.

Eli Roth já vinha se destacando na franquia “Cabana do Inferno” (2002), em que um grupo de turistas saidinhos era vítima de um organismo que se alimentava de suas entranhas. O que “Cabana do Inferno” e “O Albergue” têm em comum — esse escracho, esse nonsense — tornou-se uma grife nos trabalhos do diretor. Dizem as más línguas que no filme de 2005 Roth tomou por base uma história sobre mafiosos tailandeses que anunciavam um serviço inusitado, prato cheio para maníacos de toda a sorte. Por dez mil dólares, era possível se matar uma pessoa (esses alvos eram sempre indivíduos paupérrimos, que se submetiam, na esperança de que seus parentes ficassem com o dinheiro). Pura maledicência; Roth ambientou a narrativa na Europa Oriental à moda de Tod Browning (1880-1962), com vamps sedentas de sexo (e sangue) que saciam um e outro apetites parasitando americanos incautos.

A essa altura, “O Albergue” acaba se esvaziando um pouco, tão gratuitos são os ataques dessas mulheres perversas, que logo dão lugar a outros personagens, ingressos no jogo precisamente por sua superioridade financeira, enquanto se tenta compreender para onde o filme vai, num crescendo de membros decepados e hectolitros de sangue. Isso não teria a menor importância, não fosse a história derivar para a violência desabrida, sem um bom argumento que a sustente. Nesse ponto, o pouco carisma que os personagens de Richardson, Hernandez e Gudjonsson poderiam ter se perde definitivamente, e tudo o que resta mesmo é o que é descrito pelo diretor. O tipo de abordagem que Roth propõe — inovadora, justamente porque ousa prescindir de seus protagonistas — só se mantém caso a história consiga orbitar num eixo de regularidade, o que, felizmente, acontece. Se o trio de personagens centrais masculinos é jogado às feras, Barbara Nedeljakova e Jana Kaderabkova adquirem uma proeminência inesperada e bem-vinda, que chacoalha o seu tanto a monotonia que se apossa do longa no segmento final. 

Criticando a visão de mundo do americano médio, branco e endinheirado, que se sente ainda mais poderoso em determinadas terras que em seu próprio país, Eli Roth dá a “O Albergue” um interessante componente de crítica social, atmosfera que o terror sempre absorveu muito bem. Só inspira pena não se poder contar com essa estabilidade desde o início.


Filme: O Albergue
Direção: Eli Roth
Ano: 2005
Gênero: Terror
Nota: 7/10