Síndrome do Pensamento Desacelerado Devagar Quase Parando

Síndrome do Pensamento Desacelerado Devagar Quase Parando

Não adianta procurar no Google. Ainda não consta lá. Andava macambúzio, mas, parei com isso. Ao parar, descobri por meio dos jogos de Búzios, Rio de Janeiro, que padecia de uma novíssima e palpitante enfermidade neuropsíquica denominada Síndrome do Pensamento Desacelerado Devagar Quase Parando. Quem diagnosticou na minha cachola este distúrbio foi uma ex-cigana que tinha se submetido a uma cirurgia bariátrica, perdido quarenta quilos e vinte mil reais. Hoje, magra feito um holerite, ela vende saladas de frutas com iogurte na praia. Ficou uma teteia a moça, porém, depois de bater a minha carteira, mesmo tendo parado de praticar embaixadinhas com uma bola de cristal, ela previu que o nosso affair não tinha nada de francês e jamais teria um futuro.

Premonição por premonição, eu prefiro tocar em frente sozinho. Ainda assisto a Globo Lixo, mas, não foi exatamente naquele canal televiso que esmiucei a mais recente doença mental do meu corolário hipocondríaco. Antes que eu me esqueça de que sou um gentleman, deixo um aviso aos que vão pousar em Navegantes: Beto Carreiro situa-se a dez quilômetros do aeroporto, odeio montanhas-russas e assisto pela televisão ao que me der na telha, ninguém tem nada a ver com isso.

Tenho ouvido vozes, o que não deixa de ser um alento. Sou doido, mas, não sou surdo. Nos últimos três anos, perdi 30% da acuidade auditiva do lado direito. Cansei de dar ouvidos aos neofacistas. Fato é que os fetos estão ressabiados, receosos em colocar as carinhas para fora do canal do parto, quem dirá, as nádegas. A humanidade anda tão high tech. Os quadris de Scarlett Johansson andam com tanta suavidade e malemolência que chego a tontear quando ela passa. Vocês estão cobertos de razão e de pulgas: não falo lé com cré. De acordo com a Cia — a ex-cigana de quem lhes falei — faz parte dos sintomas dessa intrigante neurose da morte contemporânea.

Além de se vestir singelamente e de não dizer coisa com coisa, o portador sintomático da Síndrome do Pensamento Desacelerado Devagar Quase Parando nunca leu um livro de Augusto Cury e prima pela divagação, pela incoerência e pela autoestima nas nuvens. Falta-lhe um bocado de ansiedade e de desespero-de-causa para se alinhar aos trâmites selvagens da vida cotidiana nas grandes cidades, para entrar em sintonia-grossa com o surto coletivo, para se encaixar na corrente denteada das engrenagens sociais que nos mastigam aos milhares.

Os acometidos pela síndrome quase nunca se atrasam aos compromissos. Primeiro, pela simples falta de compromissos; diminuem gradativamente os convites para festas, convescotes, batizados e regabofes. Ninguém gosta de fazer companhia para um sujeito que sumiu do WhatsApp, que prefere ficar sozinho e que se cansou de viver a mil por hora. Segundo, por ter abolido o uso de relógios de pulso, de redes sociais da internet e de tornozeleiras de couro trançado com miçangas. Não sei quanto a vocês, mas, sempre que viajo na maionese, levo junto uma sandália de dedo, uma sacola de remédios, cartas de despedida e visito as feirinhas de artesanato local para torrar algum dinheiro.

Modéstia às favas, a esfuziante Patrícia Poeta me declamou por meio de versos alexandrinos e de redondilhas de todos os tamanhos, que o portador dessa novíssima neurose da vida pós-moderna costuma se fazer de bobo e começa a ser confundido com os seres sebosos, preguiçosos, perdulários. Não parece grande bosta, mas, essa espécie de moribundo continua a xingar todos os repertórios conhecidos e reconhecidos pela igreja católica, ao passo em que passa a compassar a própria correria, contentando-se com o pouco que ainda tem e compreendendo que juntar patrimônio material além do necessário para subsistir não faz o menor sentido depois que se bate as botas.

Li numa bula de agrotóxicos que oxigênio mata e que o pensador desacelerado devagar quase parando dorme tarde demais e acorda tarde demais. Frequenta os sebos, apesar da rinite e da asma. Faz visitas domiciliares para quem andava sumido e deixa os donos da casa simplesmente aturdidos com todo aquele excesso de intimidade. De uma hora para outra, passa a sentir pena até mesmo dos insetos, com exceção às baratas. Ninguém merece. Aliás, antes que o texto termine: Morte às baratas!

O enfermo desanda a traduzir para o bom português os cânticos dos pássaros. Passa a ferro as próprias roupas. Readquire o hábito de andar nu pela casa, como se não houvesse vizinhos. Mais engorda do que emagrece. Limpa com as próprias mãos a famigerada caixa de gorduras. Atira pedras nos caçadores. Não apenas conversa, como aceita balas de estranhos, desde que não sejam cidadãos de bem. É dos terrivelmente evangélicos que ele gosta menos. Trata uma árvore como se ela fosse uma mulher. Faz planos para o passado. Dá banhos no pai adoecido. Embarca nos sonhos terminais. Pula das plataformas para cometer crimes de felicidade. Enlouquece até voltar a pensar. Cheira os livros novos e sente ereções na alma. Dá ouvidos à gente velha. Cultiva a obsessão pela jardinagem com intuito de reflorestar também os corações devastados. Decora poemas. Declama-os para ninguém. Não se incomoda com a solitude. Finge que não está mais sentindo nada dentro do peito enquanto a carruagem passa.

Não se iludam. Literatura ruim é pior do que nada. Mesmo assim, se vocês se identificaram com os sinais e sintomas dessa peculiar síndrome da pós-modernidade — ainda não descrita ou catalogada nos anais dos prestimosos compêndios intestinos da psicologia mineral — eu, mamãe, o Ministério da Saúde e as pedras do caminho advertimos que vocês devem procurar — não imediatamente, mas, quando for possível, se Deus der bom tempo — um médico de almas, uma ex-cigana que perdeu a conexão com o futuro ou a criança que anda esquecida dentro de si mesmos. Por falar nisso, aonde foi que deixei as chaves?