Quando toca “Wisky a Go Go”, do Roupa Nova, é hora de dar o fora da festa

Quando toca “Wisky a Go Go”, do Roupa Nova, é hora de dar o fora da festa

“Foi numa festa, gelo e cuba-libre e na vitrola Wisky a Go GO, à meia luz, o som do Johnny Rivers, aquele tempo que você sonhou…” Pesadelo. Não. A culpa é toda minha. Os caras da banda são excelentes. Eu é que tenho excelência em neurastenia. Não tenho nada contra o Roupa Nova. Nem contra o Johnny Rivers. Também não guardo reservas contra o whisky, desde que não seja paraguaio. Mesmo assim, prefiro a cerveja. O problema é a dor de cabeça, a cintura de Kombi, a ressaca abissal e o arrependimento por ter destravado a língua. O álcool nos faz mais descuidados e sinceros do que o razoável. Portanto, se beber, não escreva.

Lá se vão quase dois anos que não frequento uma festa. Suponho que a maioria de vocês também, usuários contumazes de máscaras e adeptos às vacinas. Essa pandemia pelo coronavirus está nos ensinando muito, mas, quem é que deseja aprender alguma coisa e modificar para valer o estilo de vida? Não. Não tem nada a ver com numerologia, com cabala. Contudo, as confraternizações que reúnem mais do que oito pessoas já costumam provocar-me prurido, por mais divertida que seja a turma. Velho? Chato? Que nada. Tenho só 56. Quilometragem original. Faço 42 graus de febre na sombra. Soy buena gente, pero extraño.

Acho que o ensimesmamento atingiu em mim o nível hard. Por exemplo, os aniversários de crianças em buffets infantis são uma espécie de tortura, uma prova de choque, uma provocação do Bom Senhor para testar até onde vai o meu grau de civilidade e de similaridades com aquele tal de Herodes.

Matrimônios. Até que a morte os separe. Quer saber? Uma vez, eu quis matar um padre. O sujeito humilhou uma noiva que tinha extrapolado no decote. Comentou em alto e bom som que igreja não era clube para que ela comparecesse vestida daquela forma. Só não soquei o sujeito porque a noiva desmaiou de vergonha.

Falta um bocado de carisma, de criatividade e de experiência afetiva aos padres. É por isso que eu gosto dos padres cantores, dos padres roqueiros, dos padres sertanejos-universitários, dos padres marombeiros, dos padres anarquistas e dos padres pegadores. Sermão de casamento, notem, é sempre a mesma ladainha. Os noivos extremamente jovens me comovem ao extremo, de verdade. A paixão cega e a ingenuidade são tocantes. Por que nenhum dos presentes se levanta, pede a palavra e explica que a vida a dois também é pedreira?

As mulheres são engraçadas. Elas gostam de admirar as noivas, os vestidos, os pajens, os arranjos, as tetas siliconadas, as declarações de amor e blá-blá-blá. Pernas. Eu fico de olhos é nas pernas. Eu gosto mais daquela parte em que anunciam que os noivos vão receber os cumprimentos na entrada da igreja. É tão rápido e empolgante. Enfim, sós, dentro do carro, a caminho da pizzaria. Tudo nessa vida termina em casamento ou em pizza.

Os festejos bucólicos. O cheiro das flores do campo e das bostas de vaca. A natureza viva, quase sempre meio-morta, seca e arruinada pelas queimadas. O meu choro não é de emoção. É a fuligem nos olhos. Ardem mais em mim do que em vocês. Os churrascos na roça, organizados para comemorar as bodas dos casais veteranos, são igualmente desafiadores. A começar pela mortandade de animais. Eu sinto remorso pela fartura de carne nos espetos e por constatar os bichinhos empalados em roletes sobre braseiros candentes. Sim. Vocês têm toda razão. Não dá para comer um bicho vivo sem ser acusado de zoofilia. Não. Nunca transei com animais. Churrasco? Adoro uma chuleta. Só não gosto muito de pessoas, quando servidas em multidões. Eu não nasci para confraternizar. Mas, isso é problema meu. Não pretendo espetar ninguém por conta das minhas convicções extravagantes.

A pior de todas as festas, com certeza, é o baile de formatura. Costuma começar às onze — justamente no horário em que vou para cama dormir. O pior é que não tem hora para acabar. É ultrajante que os cerimoniais nos obriguem a vestir roupas que nem sempre gostamos. Tenho aversão a black-tie, por exemplo. Se um dia eu morrer, se me enterrarem vestido a rigor, podem acreditar, voltarei à noite para puxar os pés do indivíduo responsável por tamanha desfeita.

Se apareço no baile vestindo calça jeans e camiseta, chamam logo os seguranças para expulsar o mendigo. Há também um sério problema de saúde pública: é inviável que os cinquentões como eu dialoguem durante uma festa como essa. Só se eu soubesse o alfabeto em Libras. Tem mais um entrave: a música alta. Colocam o volume do som no talo, geralmente com o que existe de pior em matéria de sucessos da atualidade, tudo detalhadamente preparado para estraçalhar os tímpanos dos convidados.

Há outros ingredientes que me desapontam. A cerveja quente. O ar-condicionado em eterna manutenção. O garçom que cobra propina para não te deixar passando sede. O cara que bebe do seu copo, por engano, reiteradas vezes, enquanto fala por mímica. O bebum que conversa a menos de cinco centímetros de distância do seu rosto. Alguém que saca o microfone e discursa como se fosse o Fidel. O mundo inteiro a girar. O estômago a contrair. A labirintite pintando na área. Aquela saudade do sofá de casa. Os notívagos mais atirados e inexperientes a desmaiar no salão. Alguém perguntando se tem algum médico que não esteja bêbado o suficiente para prestar um socorro. A pia do banheiro entupida de vômito. A comida fria do buffet. O terror. O terror. O terror.

O ponto máximo desse tipo de acontecimento é quando os homens abdicam da formalidade, desfazem-se dos paletós e arrancam as gravatas. É justamente nessa hora que eu procuro alguma delas para me enforcar. Quase nunca eu falo sério. As mulheres tiram os sapatos, as calcinhas — as calcinhas, não; estou inventando — e se apressam para dançar.

Por fim, quando o DJ — iniciais de “Diabolic Jockey” — põe para tocar os primeiros acordes de “Wisky a Go Go”, do impecável Roupa Nova, a multidão surta de contentamento, sofre rompantes de arrancar a própria roupa — que não é nova patavina nenhuma, mas, alugada — e corre para a pista que fica apinhada de gente. É a senha para eu sumir. Saio sempre da forma mais deselegante possível: à francesa; rápido e lépido como o evacuar de um pombo. Aliás, essas aves me perseguem. Acontece com vocês também?

Em matéria de festa de formatura, todo cuidado é pouco. Depois “Wisky a Go Go” costumam tocar a “Macarena”. Daí, salve-se quem puder. Quem fugiu, fugiu. Quem não fugiu, não foge mais. Tem sempre um amigo que te reconhece na escuridão e te obriga a participar da coreografia, durante a qual você poderá demonstrar toda malemolência, graça e euforia que, de fato, você nunca teve.