Ernest Hemingway: o gênio deprimido que viveu intensamente

Ernest Hemingway: o gênio deprimido que viveu intensamente

Ernest Hemingway não foi exatamente o filho que todo pai — e principalmente — toda mãe gostariam de ter. Clarence Hemingway, médico da zona rural de Oak Park, no estado de Illinois, contava com a companhia do filho quando deixava a casa de três pavimentos, construída em estilo vitoriano, e ia visitar seus pacientes. Contudo, o menino Ernest certamente o fazia à guisa de exercício antropológico, desde sempre fascinado por tipos humanos. Nunca passou pela cabeça de Hemingway seguir a carreira do pai, e, pior ainda: ele teria se tornado jornalista exatamente por não ser preciso diploma universitário para se exercer esse ofício.

Grace Hall Hemingway foi um capítulo à parte na história do escritor. Ao dar à luz um menino em 21 de julho de 1899, imaginara se tratar de uma criança do sexo feminino, como era do seu desejo. Logo confirmara que a natureza e o destino não lhe haviam correspondido às aspirações, mas não se dera por vencida. Era um costume da época vestir os bebês da mesma forma, com uma espécie de camisola de renda. Contudo, era facultado à personalidade excêntrica da cantora lírica e pintora prescindir de certas formalidades. Em muitas ocasiões, Grace se referia a Ernest usando termos no feminino, e estendia esse comportamento à filha Marcelline, um ano e meio mais velha, ao “trocar” o gênero das crianças, talvez para tornar o garoto mais sensível e a menina, mais resistente — ou por mero sadismo mesmo.

Segundo Mary V. Dearborn, uma das biógrafas de Hemingway, o escritor incorporou sua porção feminina indelevelmente, e não sem uma boa dose de sofrimento por nunca ter conseguido se resolver sobre se era de fato homem ou uma mulher. De uma coisa tinha certeza: deveria sufocá-la ou, ao menos, manter relegada aos porões de sua alma. Dearborn vai além e afirma que Hemingway teria cometido suicídio, em 2 de julho de 1961, por causa desse eterno conflito existencial, teoria o seu tanto delirante.

A razão mais provável para a morte do escritor teria sido mesmo a agudização da melancolia, tornada uma depressão severa a galope, devido à sua saída compulsória de Cuba, em 1959, quando da eclosão da Guerra Fria e o rompimento entre o país e os Estados Unidos. Hemingway não queria retornar para a América, de quem já não esperava nada e há muito superada em seu coração por aquele recanto ensolarado perdido nos meandros do Caribe, e, o principal, distante das badalações que não o seduziam mais. Em entrevista ao “The New York Times” em 1999, Patrick Hemingway, filho do escritor com Pauline Pfeiffer, sua segunda companheira, confirma essa hipótese.

Hemingway posa com um Marlin em Havana, em julho de 1934 (John F. Kennedy Presidential Library and Museum/Ernest Hemingway Collection)

Cuba foi a responsável por uma das maiores glórias na vida de Hemingway. A relação com a cultura hispânica vinha desde que trabalhou transportando feridos na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e se aprofundou durante a atuação como correspondente durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O escritor decidira se aposentar e tomar como retiro a ilha da América Central muito antes da ascensão de Fidel Castro (1926-2016).

A literatura para Hemingway rapidamente se tornou um pálido diletantismo, tão absorto estava com pescarias, conversas despretensiosas com os moradores locais e sestas após o almoço. O “mercado” não queria mais saber dele — indiferença amplamente retribuída. Seu último romance de sucesso, “Por Quem os Sinos Dobram” (1940), já havia completado dez anos. Deu-se uma infrutífera tentativa de retorno, com “Na Outra Margem, Entre As Árvores” (1950), mal-recebido pelo público e, claro, desancado pela crítica. Até que, desafiado por seu editor, escreve a obra máxima de sua carreira, “O Velho e o Mar”, publicado em 1° de setembro de 1952.

A história de Santiago, pescador veterano que depois de 84 dias sem conseguir nada, captura um marlim de setecentos quilos arrebatou o Pulitzer, em 1953 e Hemingway ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1954. A aposta dos críticos de que a vida de Hemingway em seu autoexílio no então paraíso perdido da América Central era a culpada pelo “fim” do autor nunca se provou mais falsa.

Plena de altos e baixos, reviravoltas, polêmicas e lances obscuros, a vida de Hemingway, em Paris, Nova York ou Havana, parecia mesmo uma festa — ainda que, no fundo, ele tivesse preferido que tudo não fosse mais que uma tarde preguiçosa ao sol que ardia em Cuba.