Agrotóxico, tratores e sertanejão: Hunter Thompson reencarna no Brasil de 2021

De um tempo pra cá — digamos, de 2018 pra cá —, eu tenho olhado as manchetes do noticiário de política e me perguntado: “O que Hunter Thompson escreveria sobre isso?” O que Hunter Thompson escreveria sobre a eleição de Jair Bolsonaro? Ou sobre Ricardo Salles? Gabinete do Ódio?  Ameaças de golpe de estado? Pandemia, cloroquina, militares corruptos? De tanto pensar no que Thompson teria escrito sobre o Brasil de 2021, eu resolvi escrever no lugar dele. O resultado é Fear & Loathing in Londrina: Uma Jornada Selvagem Rumo ao Coração do Brasil Acima de Tudo, já disponível em versão e-book na Amazon. Se você sabe quem é Hunter Thompson, pode pular direto pro quarto parágrafo. Se não, prossiga.

Hunter S. Thompson, você sabe (ou não), é o pai do jornalismo gonzo. Um estilo muito peculiar de cobertura, no qual o repórter não apenas dispensa qualquer noção de imparcialidade; também se posta como protagonista da história e interfere nos fatos reportados. Thompson (1937-2005) aplicou esta peculiar abordagem em uma série de artigos e livros antológicos produzidos nas décadas de 1960 e 1970. O mais famoso deles, “Fear and Loathing in Las Vegas” (1972), mostra o jornalista tocando o terror na capital mundial da jogatina, tomando drogas e driblando a lei. Como background da aventura, a implosão da contracultura e a deterioração do “Sonho Americano” sob o governo de Richard Nixon.

Fear & Loathing in Londrina: Uma Jornada Selvagem Rumo ao Coração do Brasil Acima de Tudo, de Marco Antonio Barbosa 

“Fear & Loathing in Londrina” é uma (muito) livre reinterpretação do texto de “Fear and Loathing in Las Vegas”. No lugar da viagem à terra dos cassinos, um tresloucado passeio pelo interior do Paraná. Em vez de uma corrida de motocicletas, a maior feira agropecuária do país. E em vez dos EUA da era Nixon, o Brasil da era Bolsonaro. Como trilha sonora, o som preferido do agronegócio sertanejo. E no lugar das drogas psicodélicas, aditivos químicos de qualidade extremamente duvidosa.

Para o Thompson de 1972, Vegas era a porta de entrada para decifrar o elusivo Sonho Americano. O Thompson da era bolsonarista iria procurar o significado do tal Brasil Acima de Tudo em Londrina, cometendo inúmeras contravenções entre tratores, agroboys e várias sortes de reacionários. Vim escrevendo o troço furiosamente, adaptando o texto original de Thompson e selecionando com cuidado os paralelos entre a América de Nixon e o Brasil de Bolsonaro. Não foi surpresa constatar que as semelhanças entre os dois momentos históricos são muitos.

(Cabe aqui o DISCLAIMER: não tenho coisa alguma contra o povo do Paraná em geral, nem contra o de Londrina em particular. Nem sequer estive na cidade. As situações e pessoas descritas na narrativa são totalmente fictícias. Por mais que não pareçam ser. Mas o estado que gerou a República de Curitiba me pareceu ser um ponto adequado para a expedição gonzo.)

Enfim: “Fear & Loathing in Londrina” é uma brincadeira de metalinguagem, uma paródia, uma homenagem a um dos meus escritores favoritos. E também é uma história muito séria sobre um país que parece ter perdido seu rumo. Em 1992, Hunter Thompson disse o seguinte: “Ainda hoje, mais de 30 anos depois, eu julgo as pessoas com base em quem elas votaram em 1960: em Kennedy ou em Nixon. Esses miseráveis estão marcados para sempre; eu não”. O que ele diria sobre a eleição brasileira de 2018?