A superlua cheia não está nem aí para os meus planejamentos estratégicos

A superlua cheia não está nem aí para os meus planejamentos estratégicos

Não sei quanto a vocês, mas, detesto dinâmicas em grupo. Em matéria de linguagem corporal, meu corpinho de faquir não diz lá grandes coisas. Certa vez — pasmem! — ganhei uma caneta como prêmio, ao final de um curso de 12 semanas da Dale Carnegie. Sempre penso em “carnegão” quando cito esse nome, não sei explicar. Pode parecer pouca coisa ser agraciado com uma caneta. Não era uma Montblanc, evidentemente. Senti até um alívio. Detestaria ser assaltado e morto por causa da droga de uma caneta cara-pra-chuchu enfiada no bolso.

A princípio, pensei que fosse mais uma piada da turma, por causa da minha tradicional grafia em garranchos. Nem Jesus Cristo na causa. Só sendo balconista de farmácia para decifrar os meus hieróglifos. Nunca fui muito bom em interpretar comportamentos, mas, compreendi que aquela caneta representava o reconhecimento dos colegas pela minha evolução durante o curso. O valor do troféu, portanto, era puramente simbólico. Por isso, valia tanto. Mais um bom motivo para não terem me agraciado com uma Montblanc. Isso poderia estragar tudo. Ou não. Pensando friamente, eu poderia vender aquele mimo e pagar cinco meses do seguro de saúde. Nada mau. Bem, Deus não dá asas à cobra. Eu nunca assinaria cheques, confissões e promissórias com uma tinta tão cara quanto aquela. Estava mais preocupado em evitar preocupações e começar a viver, conforme apregoava um dos livros que destrinchamos durante o curso, e que marcou minha maneira de ver o mundo.

Apesar de ser virginiano, fazer planejamento estratégico pessoal ou empresarial sempre foi, para mim, uma missão sofrível. Antever ameaças. Estabelecer metas. Farejar oportunidades. Sempre fui muito ruim em previsões. Esperar que um poço de ansiedades, como eu, planeje o futuro é muita covardia. Mas, é assim que as corporações funcionam. Até pagamos caro para isso, para que instrutores experimentados e limpinhos nos auxiliem nessa árdua tarefa. Ao final, passam na administração, recebem um cheque e nos jogam sobre o colo um protocolo de intenções que ninguém garante se vai cumprir ou que vai dar certo.

Acontece que a superlua cheia não está nem aí para os meus planejamentos estratégicos. Chamam-na de superlua. Superlua cheia. Superlua cheia de sangue, para ser mais exato, por causa do porte superior, aberrante e dos matizes escarlates. Nada mais impróprio e sanguinário, em se tratando de licença poética. Até o vate menos inspirado compararia essa linda lua monumental, com tons avermelhados, a um botão de rosa, a uma maçã madura ou, na pior das hipóteses, a um naco de carne crua. Lembram-se do “abajur cor-de-carne” do cantor Ritchie, em “Menina Veneno”? Não se lembram? Corram para o Google, malditos! Pois, então. Grande mistério do planeta: até hoje, ninguém, nem mesmo o próprio Ritchie, garante se na letra original da canção constava “um abajur cor-de-carne” ou “um abajur cor-de-carmim”. Para mim, era “um abajur cor de Carmem”. Mas, isso já é outra história.

Eu não contava com a presença da lua, ainda mais, uma lua cheia, uma superlua, uma superlua de sangue — abominável alcunha. Cientistas explicam que o astro está mais próximo da Terra do que nunca. Devo admitir: ignorância, somada à ilusão de ótica, faz-me supor que, um pouquinho mais, a lua encostaria no solo. Podia pousar, suave, no meu colo. Podia ser num poema. E eu a abraçaria. E eu encostaria o meu rosto na suavidade dela, sorridente com os meus dentes-de-leite, repleto de contentamento, como faziam os meninos, quando ganhavam uma nova bola de futebol. Não era uma caneta. Era uma simples bola. Mesmo assim, havia muito de reconhecimento por parte dos adultos. 

Não sei quanto a vocês, mas, eu gosto de ouvir os Beatles cantarem, ou melhor, eu gosto de ouvir os grilos cantarem. Ingênuo como um grilo, cogito tirar os sapatos, correr sobre a relva fresquinha e aplicar um voleio na lua, como se fora ela uma bola, estufando as redes do universo. Pode parecer uma tremenda infantilidade da minha parte, mas, acontece que eu me sinto um tanto moleque essa noite. Percebo que poderia achegar-me à estupenda lua ruiva e levitar na altura propícia para me agarrar a ela, abarcando a circunferência, flutuando para fora deste mundo. Seria um recurso auspicioso escapar do planeta azul atrelado à lua magenta.

Sinto uma saudade cansada, condoída e brejeira. Deve ser por causa do fenômeno lunar, do efeito dos raios solares refletidos pela superlua cheia, que muitos garantem tem cor de coágulo. Roseiras úmidas sangram partículas de orvalho. Sinto-me comovido como um touro em frangalhos, acuado, diminuído pelo mau pressentimento de uma luta inglória contra o toureiro. Nem sempre a plateia torce pela vida. O que não deixa de ser uma clamorosa derrota para a humanidade. Uma superderrota com gosto de sangue.

Mordo a língua, que sangra. O tom carmesim da superlua me lembra os lábios carnudos de Scarlett Johansson. O ambiente é de muita fantasia e tentação. Tudo se encaixa perfeitamente, como se tivesse sido planejado antes, de forma estratégica: uma imperdível possibilidade de fugir da realidade, nem que seja por uma noite.