Se Deus for mesmo brasileiro, estamos ferrados

Se Deus for mesmo brasileiro, estamos ferrados

Só pelo título já sei que um monte de gente vai me mandar para Cuba, para a Venezuela ou para a PQP. O presidente, com seu palavreado chulo, anda a fazer escola. Não me atingem. O meu amor-próprio verga, mas, não quebra. Já me acostumei com essa turma. Não suportam ser confrontados. Têm sempre a última palavra. Não cedem um só milímetro. O argumento mais plausível que encontram — a sua imersão na poça d’água da inteligência — é sempre o mesmo: a culpa é do PT. Meu receio é que a democracia sofra perda total. Isso, sim, seria um desastre cabuloso.

Quando eu digo que estaremos fritos se Deus for mesmo brasileiro, não tenho a intenção de pagar de herético, de esculhambar com a fé dos outros ou de denegrir a imagem do criador-de-tudo-quanto-existe, por mais que ele, supostamente, possa merecer puxões-de-orelha. O Todo-Poderoso pode até ser perfeito, mas, anda a dever algumas explicações. O problema é um só: a humanidade.

“Dize-me com quem andas e te direi quem tu és.” Diria isso ao Altíssimo, se ele me desse ouvidos. Mas, Papai do Céu anda ocupado demais a adoecer gente, a curar gente, a salvar os seus filhos, a matar os seus filhos, coisas estranhas que não me entram na cabeça. Deus tem caminhado em demasia com os seres humanos, tem dado muita corda ao povo brasileiro. Cuidado com os bajuladores, Senhor. São os mais rasteiros.

Nem tudo está perdido. Ainda há gente de bem. Mas, não confio numa sociedade que cultua as armas; cujos pais, liberais na economia e conservadores nos costumes, ensinam os seus pimpolhos a dar tiro nas pessoas. Deus pode estar no comando, mas, continuamos perdidos. Somos as balas que alvejam crianças com mochilas nas costas. Somos aquele tipo de gente que debocha dos trouxas que não sonegam impostos, dos otários que devolvem achados que não lhes pertencem e dos preguiçosos que perdem o seu tempo a ler livros.

Pouca gente entende o que é a ironia. Ninguém aqui é santo. Até o Pai, que tudo vê, que tudo sabe, sabe que não somos flor que se cheira. Seja lá o que flor, a pior pessoa é a que se afeiçoa às próprias imperfeições. Alguém que caçoa da ciência, que se gaba por ser inculto, que defende tortura, que apregoa mordaça na imprensa. Vivemos num país tropical com a maior média de pessoas espertas por quilômetro quadrado. A ignorância anda em círculos. Isso explica o vaivém da história.

A peste do Covid-19, que desafia a vida, que assola o mundo e o nosso país, expõe as mazelas da sociedade, em especial, a arrogância de uma elite dominante que deveria ser protagonista das mudanças estruturais tão necessárias. Uma elite rancorosa e reacionária que fura fila da vacina. Que se deixa fotografar cometendo crime. Que espalha notícias falsas, propositadamente, pelas redes sociais. Que frauda assinatura. Que saqueia o erário. Que superfatura respiradores. Que desvia os recursos públicos destinados ao combate da pandemia. Que menospreza o SUS. Que dá festa, enquanto milhares de compatriotas afogam no seco. O oxigênio acabou; a minha paciência, idem. Não tolero mais os intolerantes, uma cambada de pseudo-cristãos que arrotam bravatas. São uns hipócritas. Vou para o inferno com o maior prazer, desde que essa malta não me acompanhe.

Deus sempre foi desapegado. Deus é brasileiro, pode ser, é o que se diz por aí. Amo a terra onde nasci. Amo a nação desbravada pelos meus avós e pelos avós dos meus avós. Não sonho em me mandar daqui, em morrer no estrangeiro, longe do céu do cerrado. Apenas, sofro de recaídas todas as vezes em que a violência é exaltada como tábua de salvação e que, a partir de agora, faremos à bala a justiça social.

São cada vez mais prósperas as chances de uma colônia de terráqueos edificada na superfície de outro planeta do sistema solar. O maior problema a ser enfrentado pela ciência não será a falta de oxigênio ou de água potável nesse novo mundo. Já nos falta o bastante por aqui, inclusive, empatia e solidariedade. O problema será o homem. Sempre o homem a atazanar os desígnios divinos. 

Crédito editorial: NANCY AYUMI KUNIHIRO / Shutterstock