Já era tarde, quase hora da ceia de Natal, quando Mariana, na sabedoria dos seus 3 anos, foi procurar o primo que havia sumido da sala de jantar. O rapaz tragava um cigarro fedorento no canto da boca na escada do alpendre da casa dos avós.
— O que foxê tá fasseno?
— Tô dando um tapinha.
— Dando um tapinha? Em quem?
— Nessa parada aqui, bicho!
— Bisso? Onde tem bisso? Mamaaaãnhê!!!
— Shhhhhh, fica quieto brou. Você que é o bicho. Ninguém pode me ver fazendo isso aqui não, cara.
— Malinhana não é cala. Nem bisso.
— Tá bom. Só fica quietinha.
— Puquê eu tem que ficá quetinha? Malinhana qué sabê quê que é esse tem fidido na sua boca.
— Isso aqui é a liberdade, bicho. É a melhor coisa do mundo.
— Cadê o bisso? Cadê o bisso, Vinícius? Malinhana tá com medo e não pode nem chamá mamãe…
— Shhhhh, eu já disse que não tem bicho nenhum.
— Que que é libedade?
— É quando a gente se sente livre, bicho. A gente sente que pode fazer qualquer coisa.
— Malinhana não entendeu. Se fochê pode fazê coqué coza, puquê fochê tá faceno icundido? E cadê o bisso?
— Não tem bicho, meu!
— Malinhana também não quidita que é a miló coza do mundo, puquê é munto fidido.
— Cara, você tem que aprender a apreciar o lado bom da coisa. É fedido mas dá o maior barato, velho.
— Oba. Vovô cegô!
— Vovô? Onde, cara? Pelo amor de Deus, se meu avô me vê com isso na boca eu tô fu…., é, quer dizer, fuzilado.
— Ué! Foi fochê que faiou do velho. Malinhana assô que ela o vovô!
— Ufa.
— Malinhana assa qui essa sua palada é munto ruim.
— Por que, bicho?
— Puquê ninguém pode dicubí que fochê tá com ela na boca. E Malinhana já te falô pá fochê palá cum esse bisso.
— É porque as pessoas são caretas. Gostam de proibir tudo que é prazeroso e que liberta a mente.
— Malinhana não entendeu o quê que é pazelozo…
— É o que te faz feliz, cara. Por exemplo, o que você mais gosta de fazer?
— Eu góta de bincá no balanço e de vê desenho.
— Então? É como se você estivesse balançando esses seus cachinhos dourados no vento em cima de um balanço, Mariana.
— Oba!! Então eu qué um pouquinho. Fochê dêça Malinhana pelimentá um poquinho, Vinícius, só poquinho?
— Não, cara, claro que não! Não pode!!!
— Mas fochê falô que dá libedade mas tem que facê icundido, disse que é a miló coza do mundo, mas é munto fidido, agola que Malinhana qué fochê faia que num pode?
— É que se eu te desse, o mundo inteiro viria contra mim. Ninguém, nem mesmo quem gosta dessa parada, ia me entender. Eu estaria fu… é, bom, fulminado!
— Malinhana não intendeu. Fochê faiô que ela bom. Mas é munto ruim…
O primo jogou o baseado quase todo no quintal vizinho.
— Vambora Mariana. Vovó chamou pra papar.
— O bisso vem também ou vai ficar?
