Tira essa máscara e me dá um beijo!

Tira essa máscara e me dá um beijo!

A Fundação Oswaldo Cruz acaba de lançar uma cartilha com orientações explícitas para diminuir os riscos de transmissão da Covid-19 durante as festas de final de ano no Brasil. Excelente material, como era de se esperar. A Fundação recomenda e dá exemplo: quem visitar o Pavilhão Mourisco, no Rio de Janeiro, vai ver que até a estátua do dr. Oswaldo Cruz está de máscara. Brincadeiras à parte, faço aqui uma reverência a essa instituição centenária que, incansavelmente, vela por nós. A Fiocruz é mesmo um panteão da ciência, um patrimônio da saúde pública brasileira (estou sendo sincero e não sarcástico como de costume).

Logo de cara, a cartilha aconselha que a maneira mais segura de passar o Natal e o Réveillon é ficar em casa e comemorar com as pessoas que já vêm, heroicamente, convivendo sob o mesmo teto. Seria uma comemoração frugal, é verdade, porém mais sensata. Entretanto, se a comichão de festejar com os amigos e familiares for incontrolável, a Fiocruz reforça as recomendações para uso de máscaras, higiene pessoal e distanciamento. Acontece que essas medidas básicas, sobejamente conhecidas (e teimosamente negligenciadas), tornam-se difíceis, ou mesmo impossíveis de cumprir nas nossas tertúlias findanistas, sempre francas e efusivas.

O problema é que qualquer reuniãozinha inocente, ainda que no esquema petit comité, será uma aglomeraçãozinha de pessoas afins que desejam conversar, sorrir, cantar, comer e, principalmente, sorver alguns (ou muitos) goles de cerveja, vinho, whisky, gim, saquê ou o tradicional champagne. Birita é o que não falta. Eu sou quase um abstêmio, mas acho lícito e justo. Brindar à vida faz bem. Ainda mais depois de um ano tão duro, mas opino que ainda não é o momento para esse grito de liberdade.

Nas confraternizações, a Fiocruz recomenda usar a máscara sempre que não se estiver comendo ou bebendo. Esse tira-e-põe de máscara vai exigir dos convivas muita concentração e coordenação motora. Penso que não vai funcionar, especialmente depois de algumas taças. Outra: manter 2 metros de distância, pelo menos, e evitar apertos de mão e abraços. Tarefas complicadas para um povo tão afetuoso como o brasileiro. Mais uma: evitar música alta para que as pessoas não tenham que gritar ou falar alto, pois, se estiverem contaminadas, lançarão mais partículas virais no ambiente. Se for bossa nova, tudo bem, mas se for rock’n’roll ou música sertaneja (o que é mais provável) aí o volume vai subir. Enfim, apesar da boa intenção (e desencargo de consciência) da Fiocruz, aposto que as recomendações vão ficar apenas na cartilha.  

Há alguns dias, fui convidado por um casal de amigos para um sarau natalino. Reunião restrita, para convidados escolhidos a dedo. Mesmo sendo pessoas da mais alta estima, tive que declinar. Meu amigo ainda me alfinetou propondo, em tom de pilhéria, abrigar-me numa cabine individual, hermeticamente fechada, onde seria tratado como um paxá. Embarquei na galhofa, agradeci a oferta, mas mantive a posição. Argumentei que já me resignara à vida reclusa dos últimos meses. Ademais, seriam tantos cuidados, tantas mudanças de comportamento, que acabariam desvirtuando o propósito. Confesso também que fiquei receoso de, no fim da festa, reencontrar aquele velho colega da repartição que, encharcado de emoção e whisky, dirá: Luciano, meu irmão! Você sabe que eu te amo, cara. Ora, vem cá! Tira essa máscara e me dá um beijo!