Poucas e boas para você não votar em mim

Poucas e boas para você não votar em mim

Farei conchavos com a chuva. Se ela cair, eu me levanto e danço. Nunca mais vou tratar a chuva como ranço de tempo ruim. Ruim é não chover. Ruim é não dançar. Bom mesmo é prevaricar com a lua. Finjo de morto, enquanto ela rouba a atenção do povo. Por menos gabinetes do ódio, prometo um aumento substancial do PIB (Poesia Interna Bruta) no coração das pessoas.

Tive uma péssima noite, preenchida por pesadelos ufanistas, recorrentes, intrigantes. Saltei da cama. Caminhei até a cozinha. Ataquei a geladeira na expectativa de comer feijão gelado, mas, quando abri a porta, havia uma lareira com o fogo crispando dentro dela. Surreal demais para ser verdade. Despertei pela enésima vez na noite, matando aos poucos a metade dos meus neurônios; a outra metade tinha se locupletado de sonhos e fugido da realidade.

Movimentei o corpo. Ainda permanecia ali, vivo. Eu andava que era só a capa do Batman, só que sem o mesmo glamour. Mon amour tinha desaparecido. Sean Connery tinha morrido. Meu time do coração tinha caído para a Série B. Só um milagre me salvaria da insônia. Busquei no colchão uma posição menos desconfortável. Apesar do mais completo breu, notei que, no teto, uma lagartixa albina de olhos fosforescentes, igualmente desperta, mascava uma aranha, enquanto me observava com baixíssimo grau de misericórdia. Ela tinha mais fome do que compaixão. Posso imaginar os dilemas sub-reptícios que se passam na cabeça de um réptil: “Quisera ter mandíbulas grande e fortes o suficiente para mastigar um ser humano”.

Sermos mais humanos. É exatamente isso o que anda nos faltando. Bala. Boi. Bíblia. Se eleito fosse, comporia com outros literatos a Bancada da Lira. Ninguém nunca viu um senador da república com literatura de cordel escondida na cueca. A ideia é passar a boiada por cima dos discursos de ódio, enquanto a imprensa se ocupa com a pandemia de notícias falsas. “Jesus está voltando, com livros nos sovacos.” Quero ver quem é que vai aguentar tanto Mario Quintana sendo declamado do alto da tribuna.

Fico lisonjeado de você não me atirar, de confiar tanto assim nas minhas metáforas eleitoreiras. Imagino o que se passará na sua cabecinha, mesmo não sendo tão assaz quanto uma lagartixa albina, comedora de aracnídeos. Em primeiro lugar, se você não mora na minha aldeia, estará impedido de depositar o voto na urna em prol de minha pessoa, nem que amasse poesia, nem que eu fosse a nova versão encarnada de Fernando Pessoa. Votar em mim, nesse caso, seria uma enorme fraude e, morando num país como o nosso, já estamos com corrupção até o pescoço. Se eleito fosse, seria por amor ou por engano.