Contratam-se faxineiras para os gabinetes do ódio

Contratam-se faxineiras para os gabinetes do ódio

Descia a Traidores da Pátria, macambúzio, psicologicamente trucidado pelos últimos acontecimentos, doido para me atracar com uma estrela e cair no espaço. Estava tomado por uma amargura sideral, típica aberração de um perdido. Era este o meu desejo: eu queria o longe, eu queria o inverso, eu queria sumir, nem que fosse hipoteticamente, na metáfora de um verso. Eu tinha assumido a desesperança com uma baita sensação de culpa, como um sentimento da hora, mas, ora, aquela pedra não era só pressentimento, mas, um obstáculo real, pesado demais, atravancando o meu caminho.

Subversivo. Melindres de um subversivo. Era assim que adjetivavam os passarinhos cantantes e aqueles se opunham ao governo autoritário. Eu estava preparado para a poesia panfletária, pronto para fugir da realidade inóspita. O meu peito fora ocupado por um imprevisível buraco negro. Jamais tinha (des)sentido daquela forma. Os corações de muitos tinham petrificado. Homens empedernidos, enrolados à bandeira americana, azeitavam os fuzis, conferiam as miras, levantavam as saias das moças e disparavam tiros contra o céu feioso e envergonhado. Era tudo fumaça. Não havia nuvens. Não havia previsão do tempo para o amor. Não ia chover mais tarde. Não ia chover tão cedo naquele arremedo de mundo.

Marmanjos advindos de gabinetes do ódio, estrategicamente distribuídos por todo o território nacional, maquinavam falácias, apoiavam estupros coletivos ao embriagar meninas com Cuspe. Mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal, as pequenas largariam de brincar com bonecas e acabariam consentindo em fornicar com homens adultos. A gravidez era um estorvo; a fé cega, uma solução. Não se permitia a entrada no paraíso de crianças que abortavam fetos indesejados. Compadecer-me delas, naquele inferno ultranacionalista, configurava uma perda de tempo, um desmedido nado contra a correnteza.

A rua estava coalhada de terraplanistas convictos, de cidadãos-do-bem que se negavam a vacinar contra o ódio, que vaticinavam a ascensão da escumalha ao poder. Nunca vi tamanha alegria estampada nas nádegas. Contentava-me com uma melancolia interior, infrutífera, ineficiente, saudosista de liberdade, que me impingia ladeira abaixo. Eu não caminhava. Eu me desintegrava junto com os meus sonhos.

Não havia pretos na turba. Não havia índios por perto. De líquido e certo, apenas a multidão estúpida a cantar hinos fundamentalistas, a humilhar os gays, orgulhosa da própria falta de cultura, aglomerada pelo reles desprezo à ciência e que tinha se apropriado da verdade e das cores da bandeira nacional. Havia uma burrice epidêmica, um orgulho fragoroso da própria parvoíce, até porque, a maioria dominante não fazia ideia do que aquele substantivo significava.

A boiada tinha passado. O país transformara-se, enfim, fatidicamente, num enorme quartel de mentecaptos, mais verde-oliva do que nunca, sem florestas virgens, com estrelas presas na lapela, longe do céu e do coração do povo sofrido.