As tragédias e os fracassos pela ótica das crianças em filmes fofinhos!

As tragédias e os fracassos pela ótica das crianças em filmes fofinhos!

O dilema do porco-espinho, proposto por Schopenhauer, pode sintetizar — sem spoilers — duas obras do cinema recente: “Jojo Rabbit” e “Troop Zero”. Respectivamente sobre um menino que achava que era amigo de seu herói nazista e a respeito de um grupo de crianças forçado a acreditar ser composto por fracassados. Na alegoria do filósofo os animais espinhosos se aproximavam e percebiam que assim reduziam o frio que sentiam, mas perto demais seus espinhos os machucavam e tornavam a ficar longe. Quando as temperaturas baixas insistiam em causar-lhes incomodo repetiam a tentativa de diminuir a distância em busca de calor e os espinhos os feriam novamente. É assim a experiência humana: suportamos alguns espinhos para sobreviver e nos aquecer. Precisamos de uma chama acesa em nosso peito e para isso temos que encontrar meios de contornar os problemas inerentes à vida numa posição intermediária em que a coexistência com os supostos inimigos ou os ditos anormais/normais é tolerável.

Filmes para crianças? Especialmente aquelas que vivem dentro dos adultos — algumas presas e amordaçadas, outras completamente livres, brincando desimpedidas sem se preocuparem com as quedas, e umas residindo na linha tênue entre esses extremos — aptas a entender as sutilezas que nos fazem sentir e expressar: falta, tristeza, frustração, raiva, vergonha, cansaço, amor, admiração, borboletas no estômago… ironicamente somos ensinados a reprimir tais sentimentos, que por sua vez nos permitem crescer. “Homens-Mulheres maus-más” precisam de gente com fanatismo cego para manipular, precisam enquadrar os “esquisitos” e derrubá-los para que não descubram o poder que têm. Já o mundo pede sonhadores, pensadores, questionadores e “sentidores” — literalmente os que sentem dores, as suas e as dos outros — pois só esses são capazes também de sentir tudo o que há de melhor, mesmo que passageiro.

Em “Jojo Rabbit” somos apresentados a um menino com uma imaginação fascinante, embora seu ídolo repulsivo. Como culpar quem conhece somente uma versão e compra a história sem questionar — especialmente se for uma criança? Até o lobo mau poderia ser o mocinho da famosa fábula se a narrativa fosse a dele. É num ponto de impacto que Jojo reconhece os monstros que viviam em sua cabeça. Quem nunca se apaixonou ou odiou a personagem que criou antes sequer de conhecê-la? Prepare-se para sair de casa! Todos os dias — especialmente após a pandemia, que há de chegar ao fim —, para encarar de frente com a coragem de um coelho a realidade, aquela que vai te dar a importante lição de que você não pode aprisionar o que mais ama — vai ficar ou voltar se for pra acontecer. Abra a porta, principalmente, quando tiver medo. Entramos na cabeça de um menino em uma paródia que lida com temas sérios, como perdas, em especial a da inocência. No fim todos perdem, mas existe ainda aquela chance — remota — de olharmos nos olhos de um tigre, de sermos os heróis (só por um dia) —, nos posicionar em favor da vida e da dança até os pés pedirem para tirar os calçados — não importa se a gente sabe dançar, do mesmo jeito que estamos também sempre aprendendo a viver, carregando as cicatrizes que nos tornam quem somos, belos ou não.  

“Troop Zero” explicita que embora o homo sapiens seja racional, sentir não é inferior a pensar. Os sentimentos podem nos levar a viajar na velocidade da luz, a nos comunicar com as estrelas mais brilhantes que não conseguiam ser vistas — não por estarem distantes — e a transpor barreiras que inspiram. São os sonhos de uma menina rejeitada chamada Christmas que unem os membros de um grupo inesperado. A derrota, que nos faz ter vontade de derramar muitas lágrimas, é só mais uma etapa rumo ao verdadeiro sucesso, comemorado com os melhores que conhecem nossa jornada verdadeira e caminharam ao nosso lado, nos empurrando ou nos carregando. Ser estranha e solitária não torna uma pessoa menos encantadora, muito pelo contrário! A menina revelou a impetuosidade que transbordava de si quando soube que poderia ter sua mensagem gravada no disco de ouro da Voyager — o disco é real e já ultrapassou os limites do nosso sistema solar — e levou junto aquelas que seriam, provavelmente, esquecidas. Algumas pessoas, mesmo que não consigam seu espaço no firmamento para serem admiradas iluminam o caminho dos que estão mais próximos, dos que mais precisam de luz para enxergar na escuridão. Certos desajustados não têm quem lhes mostre que podem ser incríveis e então eles têm que mostrar a si mesmos! E ao Universo! Sem vergonha! “Que mundo seria este se cada garotinha esquisita pensasse que poderia fazer o que quisesse?” O ideal!

Vejamos a vida com essa ousadia, imaginação, ilusão e inocência, tudo junto. Lentes que podem ser despedaçadas — em uma apresentação pública, ao nos esforçamos para juntar seres absolutamente fabulosos que nunca se dariam conta disso, em encontros inesperados nos sótãos com “vilões” e em praças que suspendem pés, os que nos mostram os mais lindos e honestos caminhos — ou renovadas com algo que tanto nos faz falta nos dias de hoje: conexões humanas — para gerar calor ou dor — sejam elas virtuais ou não, que vão nos encher de medo pelo fim inevitável de cada uma, mas que merecem ser vividas enquanto durarem. “Vai acabar você mesma partindo seu coraçãozinho”, afirma alguém em certo momento com intenções de cuidado e preciosismo. Que se parta e que se cate cada pedacinho, colando e remontando muitas e muitas vezes até nada ser capaz de quebrá-lo e nenhuma emenda seja percebida! “É perigoso lá fora?”, questionam os guerreiros bravos ansiosos com seus futuros depois de tanto se esconderem. Tomara que sim, para que as aventuras sejam vividas e contadas e para que possamos dançar a música que quisermos, quando quisermos, se quisermos!

Talvez, como na mensagem do clássico “O Pequeno Príncipe”, você se deixe cativar e chore um pouco com esses filmes — ainda que os tenha menosprezado por achar que seriam bobinhos —, sorrindo, não para fugir completamente da realidade triste que enfrentamos em um mero entretenimento delicado, mas ao entender que é possível enxergar de outra forma: os fracassos e as tragédias nossas de cada dia, insistindo na aproximação com a ciência de que sofreremos ao sermos espetados, mas também confortados quando aquecidos.