Depois da vacina, a gente se ama

Depois da vacina, a gente se ama

Depois da vacina, a gente salva o planeta. O plano, por hora, é sobreviver ao medo fazendo casinhas na cabeça da gente. Há uma pandemia de proporções bíblicas aniquilando cristãos, ateus, budistas e os banhistas de Copacabana, de mamando a caducando. Quisera morrer dormindo, sem fazer escândalo. Eu voo, mas, não sou passarinho para levar pedrada. Depois da vacina, a gente se ama. Os encontros secretos, no entanto, ficam, temporariamente, adiados. Ou não. Se for para meter os pés pelas mãos, pelo menos, use uma máscara. Espero que a comédia sobreviva ao melodrama. Depois da vacina, a gente vê como fica. Há um escopo mundial, coletivo, em prol da cura para esta peste. Corre-se contra o tempo. Afinal, ninguém mais suporta a punheta e o adiamento da happy hour. Chineses. Russos. Americanos. Gregos e baianos. Todos imbuídos em intricados experimentos de laboratório. Depois da vacina, me liga. Pode ser que troquemos perdigotos sabor menta. Saudade dos beijos de língua, dos nossos micróbios morrendo abraçados, à mingua, em taças de Cabernet que, na verdade, eram copos de requeijão cremoso. Sinto falta daquela velha pobreza de espírito, de comer um bife sangrando, de me aglomerar contigo, de enlouquecer com a tua verborragia e de lacrimejar com o teu perfume de alfazema. Uma ema bicou o anticristo. Ela também o odeia, tal e qual um anticorpo. Que corpo incrível tem a Paolla Oliveira… As secretárias eletrônicas nunca morrem. Resta o transtorno em saber que a fila andou e que a paixão morreu de inanição, como se fosse um camundongo. Não posso crer que os cientistas alimentem de esperança vã as suas cobaias. Gente da sua laia merece viver, meu bem. Duas pedrinhas de gelo no meu álcool 70, por favor. Depois da vacina, a gente samba. As autoridades responsáveis já avisaram que não vai ter réveillon, que não vai ter carnaval e, acima de tudo, que não vai ter mais os poemas de Sérgio Blank. Ele foi encontrado pela empregada poética, agarrado à uma garrafa de Cuspe. Para variar, tinha um poema dentro. Naufragara à espera de um mar, à procura de um fígado novo que nunca veio. As filas de transplante só não são maiores do que a minha admiração pelos ciclistas que fazem delivery sob o sol a pino. Eles sobem a Voluntários da Pátria com a garra dos cirróticos. Aliás, depois da vacina, vamos sair para nos embebedar. Faço questão de enfileirar os cascos vazios na estante, de te encher o saco com discursos anti-bolsonaristas, de declamar sonetos do Vinicius, de me alienar contigo, posto que és chama. Eu não pedalaria por nada desse mundo — nem que fosse pra te ver — com uma caixa de marmitas dependurada nas costas. Não tem nada a ver com orgulho, com tesão ou com falta de fé. Só não posso conceber que a vida também termine em pizza. Isso não.