Adolf Hitler e a pandemia

Chegava o solstício de verão de 1939 e os planos do Führer já estavam em fase de execução. No seu confortável chalé de Berghof, nos Alpes Bávaros, ele concluía algumas últimas instruções para Joachim von Ribbentrop. O nobre Ministro do Interior iria para a União Soviética assinar um tratado de não-agressão que prometia surpreender não apenas os comunistas, mas também a França e a Inglaterra: era o pacto Molotov-Ribbentrop. Porém, o clima bélico que já envolvia a Europa deu lugar ao temor por um inimigo repentino e sem aliados: uma pandemia de um vírus nunca antes visto. A priori, Hitler não cederia aos rumores sobre a doença, que classificava como mentira comunista. Estava certo de ser uma estratégia dos inimigos para impedir a consolidação de seu império.

Adolf Hitler fora cabo e mensageiro do 16º regimento de infantaria da Baviera. Seu histórico físico não o deixava sucumbir a qualquer pequena moléstia; em sua visão, seria apenas uma diminuta doença com grupo de risco específico e restrito — um resfriado que apenas eliminaria os fracos. E ele não nutria qualquer compaixão por fracos de todo gênero. Sempre lembrava, nesses momentos, do lamentável episódio de humilhação imposto pelos franceses no vale do rio Ruhr, em 1923. A fome do povo sofrido alemão não poderia se repetir mais uma vez por causa de algo banal. Logo se atinha ao insight de anos antes, quando teve a experiência de ouvir uma voz o convocando para libertar os alemães e colocar o seu país nos eixos. Ele tinha uma missão.

Não à toa, conseguiu angariar a atenção dos amargurados com o governo anterior. Sua propaganda detinha, de certo ponto, boa aceitação em decorrência do sentimento de “terra arrasada” incutido no senso comum de sua futura Germânia.

Como lutara nas trincheiras da primeira grande guerra, Hitler possuía apoio das forças militares do país, o que também fora fundamental para sua chegada ao poder. A duras penas, sua tropa de assalto nazista — uma espécie de grupo paramilitar miliciano — crescera em meio ao descontentamento popular, mesmo tendo sido acusados constantemente de serem golpistas.

A Alemanha, portanto, estava acima de todos e não poderia parar — Überalles in der Welt. “Os seguidores não devem se abater pelos sacrifícios, pois os resultados serão compensadores” — dizia o livro-bíblia “Minha Luta”, de autoria do Führer. Era uma questão de seleção natural: tudo que fosse inviável na natureza sempre iria perecer, como indicava o argumento do filme “Vítimas do Passado”, de 1937. O valor vida, nesse sentido, era relativizado em prol dos mais aptos a sobreviver. Assim, enfermos, idosos e fracos não poderiam fazer o sagrado III Reich estagnar, com o valoroso povo alemão em suas casas, por motivos tão torpes como um vírus. Como todos sabiam, o trabalho libertava — Arbeitmacht frei.

As notícias que chegavam eram cada vez mais catastróficas. Inevitável era, de logo, a comparação com a peste negra, que devastou a Europa e a Ásia em um passado distante. Por essa razão, o Japão, império que se alinharia à Alemanha em um eventual conflito, além da vizinha França, da Inglaterra e de outros tantos, voltaram suas atenções para a profilaxia emergencial que a doença, a essa altura já considerada pandemia, exigia. Os Estados Unidos, que estavam sob a égide da lei da neutralidade, cuidavam de seu povo em meio ao caos. Stálin não informava como os soviéticos estavam lidando com o vírus e era isso que causava o maior desconforto em Hitler. Para o nazista, um indício de armadilha para um futuro domínio comunista.

Obcecado por suas teorias conspiratórias, Hitler desafiou a lógica e quis seguir seu ímpeto imperialista após a invasão da Tchecoslováquia, mesmo com todo o caos instaurado. Contudo, muitos intelectuais do primeiro escalão nazista já se mostravam tendentes a confrontar as ideias do Führer em conversas reservadas e planejavam colocar as ideias na mesa. Mas quem poderia intervir e falar tudo diretamente ao Führer? Foi então que um consenso colocou Rudolf Hess, antigo companheiro de cela e vice-líder do Partido Nazista, na indesejada incumbência. A questão era simples: todos os países do globo não mediam esforços para combater o vírus e a Alemanha não deveria se furtar de seguir as recomendações que o tempo exigia.

Quando chegou o momento do funesto diálogo, Rudolf Hess esperava à porta com as mãos gélidas e trêmulas, não piscando de ansiedade. De repente, um sereno Hitler saía ao seu encontro, excentricamente com luvas escuras e uma máscara branca de tecido grosso com uma vermelha suástica no seu centro. Saudações dispensadas, o convidou a entrar e Hess explicou o que estava acontecendo. Após muito refletir, Hitler se despojou de seus devaneios de dominação ariana e pensou verdadeiramente no povo alemão. O mundo todo não poderia estar errado e ele certo. Apesar do ego e do incômodo com um possível blefe comunista, o Führer anunciou que medidas mais drásticas seriam tomadas no Reich para tentar conter o vírus. Os alemães, afinal, deveriam estar em primeiro lugar.

Então o espantado Hess saiu para comunicar o núcleo duro do nazismo sobre a nova guinada de pensamento de seu líder supremo.