Mulher sofre

Mulher sofre

Fé, menina. Deus é um poeta. Fez a mulher a partir da costela do homem. O melhor que Ele fazia, em sentido figurado, era deixar transfigurado o tórax masculino. Fica sempre faltando um pedaço. Adultos e meninos devem a sua existência ao domicílio uterino, a despeito da impensável claustrofobia de boiar durante meses dentro de um bolsão líquido nas entranhas maternas.

Os dilemas existenciais que igualam os gêneros vêm de longe. Quem somos. Por que viemos. Para onde vamos depois da barafunda existencial dos dias. São questionamentos que afetam profundamente o cerne dos homens. A maioria deles morre primeiro. Muitos ensandecem por não saber relevar a dor da dúvida. As mulheres, não. As mulheres sofrem sofrimentos mais pragmáticos, igualmente terríveis, é verdade, porém, fazem isso com mais leveza e dignidade, na superfície da matéria. O seu talento para lidar com o desespero é inato e vige preso aos cromossomas. Ser mulher não é para qualquer um. A senha genética do ser humano resistente é 46XX.

O calvário feminino vem de berço, antes mesmo do nascimento. Decepcionar os pais por ter vindo menina. Ser criada, desde pequenina, para a submissão e para a culpa. Caminhar os labirintos da puberdade com zelos de não ser violentada sexualmente pelos machos. Carregar no ventre fetos parasitas que não entendem nada, mas, reclamam de tudo, mesmo antes de serem desovados. A dor do parto. A anatomia destroçada. As tetas bufadas de leite. As noites trincadas, não dormidas. Os filhos que ganham o mundo. A síndrome do ninho vazio. A capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo. A língua destravada. A vocação para o perdão.

Deus deve estar de saco cheio com essa história de que “Mulher sofre”. Não te apoquentes, Senhor. Não há a quem culpar por isso. Na escuridão do nada, fizeste o mundo sozinho. A vida é só coisa que acontece. Podes ser um poeta, mas, sei que não és bobo. Soubeste escolher a dedo a criatura ideal para aguentar o tranco existencial no teu misterioso projeto de perpetuação da espécie humana no planeta azul. A essa criatura, dura feito costela, tu deste o nome de “Mulher”, a companhia ideal para seres fracos e tolos como os homens.