Ninguém te ama quando você está arruinado

Ninguém te ama quando você está arruinado

Encontrei o Léo Rosca-de-Trança chorando calado. Fazia dó. Estava sentado sozinho numa das mesas do seu estabelecimento comercial, o cigarro apagado entre os dedos, o queixo escorada num dos punhos, como se a cabeça pesasse uma tonelada. Tratores roncavam na rua. A padaria estava entregue às moscas. Não havia fregueses no local, senão os mendigos de sempre aguardando sob a marquise as migalhas de solidariedade da clientela endinheirada. Léo tinha entrado para o rol dos fodidos e para as estatísticas oficiais: outro empresário quebrado.

O prefeito tinha prometido que os transtornos passariam logo, em prol dos benefícios. Não funcionou. Lá se vão seis meses de zorra e as obras para instalação dos Busões-Articulados–Sobre-Trilhos continuam a infernizar o coração da cidade, provocando insônia e desespero em dezenas de lojistas que possuem estabelecimentos comerciais ao longo da crucial avenida que corta a metrópole de norte a sul. Muita gente já perdeu o rumo. Não dá para dimensionar como esses empresários resistem a tamanho impacto econômico. O acesso às lojas é lento, nervoso, caótico. Faltam vagas de estacionamento e celeridade à máquina pública para encerrar o quanto antes o quebra-quebra. Não queria estar na pele desses caras.

O prefeito e os seus compinchas andam vociferando por meio da imprensa amiga que há milhões em financiamento provenientes de bancos estrangeiros — impagáveis nesta encarnação — sendo despejados em audaciosos projetos de revitalização do município, e que existe um prazo limite para a entrega das obras, antes que se iniciem as campanhas eleitorais para o próximo pleito. Enquanto os buracos criam vida e o poeirão impregna os pulmões dos contribuintes, moradores locais vão pirando e se virando do jeito que conseguem, tentando fazer valer o direito constitucional de ir-e-vir. Não está nada fácil sair ou chegar em casa. Impactados pela queda escandalosa do faturamento, os empresários pelejam para se manter vivos no mercado, às custas, principalmente, do marketing de guerrilha, do calote a fornecedores e da demissão massiva de funcionários. Não tem folha de pagamento que resista a tanto progresso, ainda mais, com a lentidão e a ineficácia tão peculiares à gestão pública.

Fico me perguntando o que a sociedade poderia fazer pelos comerciantes afetados. Quem sabe, os poderes público municipal e estadual promoviam uma anistia fiscal, abonando taxas, impostos, garantindo também uma espécie de bônus, ou seja, o pagamento de uma indenização que propiciasse a essas empresas sobreviver durante o longo período de balbúrdia e de vacas magras. A verdade é que são poucos os que se importam quando você está por baixo. Cada um que se vire para carregar a própria cruz, é o que se diz por aí.

Não encontro os adjetivos mais adequados para descrever com exatidão o semblante macambúzio do Léo Rosca-de-Trança. Além de fã declarado, ele se parece fisicamente com o John Lennon que foi baleado aos 40. Há mais de 30 anos, faz um dos pães mais saborosos que já comi. O atendimento dos funcionários que, um dia, foi supimpa e cordial, agora, anda triste, automático, desesperançado. Fui informado que as moças bonitas e bem-humoradas que voltavam troco nos caixas tinham sido dispensadas. Uma pena. Hoje, quem recebe as contas é a Sofia, a filha mais velha do Léo, que foi recrutada durante o resguardo do filho caçula, como um último recurso para tentar salvar a lavoura. Não deu certo.

Mesmo nos estertores da bancarrota, o Léo me serve o último café da história. Estava quentíssimo, como sempre; mas, o sabor, diferente. Penso que era pelo gosto amargo na minha língua. Não tinha mais saída. Eu, que desde garoto, comia o pão que o Léo amassou, quem diria, também tinha abandonado o coitado à própria sorte, durante uma fase dramática da sua vida profissional. No caso dele, os transtornos estavam apenas começando, sem nenhum benefício à vista. Come together, Léo. Come together.