As dores e delícias do café

As dores e delícias do café

Considerado um dos maiores escritores de língua francesa de todos os tempos, Honoré de Balzac consumia 50 xícaras de café ao dia

Café é uma potência em minha vida; tenho observado seus efeitos em uma escala épica. O café tosta suas vísceras. Muita gente afirma que o café as inspira, mas, como todo mundo sabe, o café só deixa as pessoas tediosas ainda mais tediosas. Pense um pouco: apesar de mais mercearias em Paris ficarem abertas até meia-noite, poucos escritores estão realmente se tornando mais espirituais.

Mas como Brillat-Savarin corretamente observou, o café põe o sangue em movimento e estimula os músculos, acelera os processos digestivos, afasta o sono e nos dá a capacidade de nos dedicarmos por um tempo um pouco maior ao exercício de nossos intelectos. É a este último ponto, em particular, que eu quero juntar minha experiência pessoal às observações de Brillat-Savarin.

O café afeta o diafragma e o plexo solar (do estômago), a partir do qual ele alcança o cérebro através de radiações mal perceptíveis, que escapam a uma análise completa; além disso, podemos supor que nosso fluxo nervoso conduz uma eletricidade emitida pelo café quando o bebemos. O poder do café muda ao longo do tempo. [O compositor italiano Gioacchino] Rossini experimentou pessoalmente alguns desses efeitos — assim como eu mesmo, claro. “Café”, disse-me Rossini, “funciona melhor durante quinze ou vinte dias; o tempo exato, felizmente, para se compor uma ópera”. É verdade. Mas o tempo durante o qual se pode apreciar os benefícios do café pode ser estendido.

Durante um tempo — uma semana ou duas, no máximo — você pode obter a quantidade certa de estímulo com uma, depois duas xícaras de café feito a partir de grãos esmagados com força crescente e infundidos na água quente.

Para mais uma semana, o ideal é diminuir a quantidade de água usada, moer o café ainda mais, e depois fazer uma infusão do pó com água fria. Assim você pode continuar obtendo a mesma potência cerebral.

Quando você tiver produzido o pó mais fino com o mínimo de água possível, você dobra a dose, tomando duas xícaras a cada vez; pessoas com constituição particularmente vigorosa conseguem tolerar três xícaras. Assim, é possível continuar trabalhando por mais alguns dias.

Finalmente, descobri um método horrível, bastante brutal, que recomendo apenas a homens de vigor excessivo, homens com cabelo preto e grosso e a pele de um pardo avermelhado, homens com mãos grandes e quadradas e pernas no formato dos balaústres da Place Louis XV. Trata-se de usar um café denso e finamente pulverizado, frio e sem água, consumido com o estômago vazio. Esse café cai no seu estômago, um saco cujo interior aveludado é forrado com uma tapeçaria de ventosas e papilas. O café não encontra nada mais nesse saco, então ataca esse forro delicado e voluptuoso; ele age como um alimento e exige sucos digestivos; ele torce e retorce o estômago em busca desses sucos, como uma pitonisa apela para seu deus; ele maltrata essas belas paredes como um cocheiro abusa de seus cavalos; o plexo se inflama; faíscas voam até o cérebro. Desse momento em diante, tudo se torna agitado. Ideias entram em ação, em marcha acelerada, como batalhões de um grande exército até seu legendário campo de batalha, e a luta se acirra. Lembranças avançam, com estandartes erguidos; a cavalaria das metáforas ataca com um galope magnífico; a artilharia da lógica vem para a frente com carros e cartuchos chacoalhando; sob ordens da imaginação, atiradores de elite miram e abrem fogo; formas e vultos e personagens se erguem; o papel é coberto de tinta — pois o trabalho noturno começa e termina com torrentes dessa água negra, enquanto a batalha começa e termina com o pó negro.

Eu recomendei essa forma de tomar café a um amigo, que queria de qualquer modo terminar um trabalho que havia prometido para o dia seguinte: ele achou que havia sido envenenado e ficou de cama, à qual se agarrou como uma mulher casada. Ele era alto, louro, esguio e com um princípio de calvície; aparentemente tinha um estômago de papier-mâché. Houve, da minha parte, um erro de julgamento.

Quando você tiver chegado ao ponto de consumir o café assim e continuar sentindo-se exausto, se decidir que deve realmente tomar mais, mesmo que o faça com os melhores ingredientes e o consuma absolutamente fresco, sofrerá suores terríveis, uma debilidade dos nervos, e passará por episódios de tontura severa. Não sei o que aconteceria se você continuasse depois disso; uma natureza sensata me aconselhou a parar neste ponto, visto que a morte imediata não seria, de outra forma, meu destino. Para se restaurar, você deve começar com alimentos feitos com leite e frango ou outras carnes brancas; finalmente a tensão nas cordas de sua harpa se afrouxará, e você poderá voltar à vida relaxada, viajante, tola e criptogâmica da burguesia aposentada.

O estado em que o café o deixa, quando bebido de estômago vazio e com essa receita, produz um tipo de animação que se assemelha à raiva: sua voz se eleva, seus gestos sugerem uma impaciência pouco saudável; você quer que tudo o mais aconteça com a rapidez de uma ideia; torna-se brusco e mal-humorado a troco de nada. Você realmente se transforma naquela personagem mercurial, O Poeta, condenado por merceeiros e seus semelhantes. Você pressupõe que todos ao seu redor estejam igualmente lúcidos. Um homem de espírito deve, portanto, evitar sair em público assim. Uma vez alguns amigos, com os quais eu tinha viajado para o campo, foram testemunhas de meu comportamento — discutindo a respeito de tudo, criando caso com uma má-fé monumental.

No dia seguinte, reconheci meus erros e procuramos a causa deles. Meus amigos eram sábios de primeira linha, e descobrimos o problema rapidamente: era o café que queria sua presa.

Tradução de Cynthia Feitosa a partir da versão (editada) para o inglês, de Robert Onopa, com consultas ao texto original, em francês.