A infância com os avós é a nossa melhor saudade

A infância com os avós é a nossa melhor saudade

Faleceu a avó de uma amiga minha. Viveu “94 anos bem vividos”, como a idosa mesma dizia, ainda que no final sentisse tantas dores por causa da doença que tinha. Fui a velório. Toda despedida de entes queridos é emocionante, mas ver minha amiga dizer adeus à sua vózinha, como ela a chamava, tocou fundo a minha alma — e as minhas saudades.

Na minha infância, eu adorava quando chegavam as férias escolares, pois elas significavam ficar uns dias na casa dos meus avós. Semanas antes de ir, meus irmãos e eu já começávamos a ficar eufóricos. Vovô comprava tudo o que a gente gostava: Iô-iô crem para mim, Nesquik sabor morango para meu irmão, Toddynho pro meu outro irmão e Danoninho para minha irmã. A vovó fazia sorvete de groselha na forma de gelo: os quadradinhos cor de rosa eram servidos em canecas de alumínio.

Minha avó me ensinava a cantar as músicas que ela aprendera na sua juventude. A que eu mais gostava era “La Cucaracha”, pois achava esse nome engraçado; além de ser divertido ver a vovó balançar os quadris e gesticular as mãos enquanto cantava e dançava. O vovô era um cara brincalhão. Levava os netos para passeios no clube, no parque, no cinema. Ele tinha uma paciência de dar inveja: nunca ficava bravo conosco. Às vezes, quando as travessuras eram demais, nos acalmava contando as suas histórias.

Também sabia prender a nossa atenção. Ficávamos fascinados pelo mistério na sua voz rouca e pela aventura nos seus olhos fundos. Tinha uma história que eu adorava ouvir. Era sobre um menino pobrezinho de dar dó, que não tinha sapatos e morava numa fazenda também miserável: faltava água no rio, faltava comida na mesa, faltava amor na casa: a terra rachava, a barriga doía e o coração secava. Mas o pobre menino era rico de sonhos: ele queria ser alguém na vida. E era isso, essa mania de sonhar, que deixava o menino feliz. Somente muitos anos depois é que fui saber que aquele menino era o meu avô.

Naquele velório, revivi a minha infância. Quando minha amiga relembrou as coisas que fazia com a sua avó, tive a sensação que os avós nos ensinam a apreciar as coisas mais simples da vida: bordar em ponto cruz, colocar minhoca no anzol, fazer torta de banana, jogar dama, tomar banho de chuva e regar o jardim.

É claro que nossos pais, tios e tantas outras pessoas nos passam suas experiências e ensinamentos também. Mas o que vem do vovô e da vovó tem algo a mais, um sentimento que avós presentes e amorosos provocam na gente, como escreveu João Anzanello Carrascoza: “A Avó me aparava as unhas com a tesourinha, enquanto me contava histórias, Avó fazendo os bolinhos de chuva que eu pedia, a Avó a sacudir a velha panela para o estralar do milho-pipoca, a Avó soprando meu ferimento que sangrava pela queda da bicicleta, e eu, está doendo, e ela, vai passar”.

A infância com os avós é a nossa melhor lembrança. Quando penso na menina que fui, ouço as gargalhadas do vovô e as músicas da vovó — e me sinto bem. Todas essas memórias de amor e carinho são de um tempo que nunca mais voltará; mas, também, é um tempo que nunca foi embora. É que nossos avós não morrem: eles vivem na nossa saudade.