Para sobreviver ao Natal

Para sobreviver ao Natal

“Eu não gosto do Natal”. Estava com uns amigos em uma confraternização de final de ano e ouvi isso. Ao perguntar-lhe o porquê, ele me contou que nessa época sente falta dos que já morreram: “minha mãe ficava feliz quando reunia a família”; “meu pai se vestia de Papai Noel”; “sinto falta das piadas do meu avô”. O desânimo do meu amigo é muito parecido com a tristeza de uma senhora que acabou de perder a filha e desabafou: “não queria que o Natal chegasse”.

Lembrei-me de uma longínqua noite de 24 de dezembro: família reunida, comida farta, bebidas gostosas, sorrisos largos, enfeites coloridos, músicas natalinas e a espera pelo Papai Noel. Eu queria sumir. As pessoas me olhavam e eu sorria, mas, por dentro, chorava.

Dezembro é um mês estranho. Estava parada no sinal vermelho. O andarilho, que mora na esquina daquela avenida, veio me pedir dinheiro — como ele faz todos os dias em que passo por aquele bairro: “uma moedinha, senhora!”. Como quase nunca tenho moedas no carro, não costumo dar esmola com frequência. Mas, naquele dia, por coincidência, estava com algumas moedas de um real que recebera de troco. Dei-as todas: a mão encardida do homem contrastou com o brilho dos círculos de metal. Com um sorriso sem dentes, ele falou: “adoro essa época do ano, as pessoas ficam mais generosas!”.

O pobre homem me fez pensar naquelas músicas natalinas que dizem que o velhinho sempre vem, independente se se é rico ou pobre; que Natal é para o enfermo e o são; que é tempo de paz. Queria que fosse verdade…

Nem toda noite natalina será feliz esse ano. Para alguns, ao anoitecer, os sinos farão silêncio e as estrelas perderão o brilho. Porque é difícil celebrar sem aqueles que amamos por perto. Como festejar a vida quando estamos mortos por dentro?

Natal é um sonho. Porém, às vezes, eles ficam adormecidos, causando estranheza na gente (como o meu amigo do início do texto). Outras vezes, alguns sonhos são invadidos por infortúnio e miséria, como a falta de sorte de quem mora na rua e implora por migalhas ao farol; como a saudade de quem já partiu.

É que os sonhos são expostos pela realidade. Por isso, espere o tempo passar. Não é fácil, mas é o que podemos fazer. Depois de um Natal muito triste, veio outro igual. Mais outro. E outro. Eu nem acreditava mais nesse negócio de Espírito Natalino. Mas, hoje, estou aqui, enfeitando a minha casa. As gatas estão atiçadas com as bolas vermelhas — quero ver quanto tempo durará a minha árvore decorada. Pendurei guirlanda na porta de entrada e peguei os panos de prato com tema natalino que foram bordados pela minha avó. A alegria dos Natais da minha infância preencheu o vazio dos anos ruins que ficaram para trás.

Meu desejo, para quem não sabe como sobreviver ao Natal, é alento e coragem. Não perca a esperança, mesmo que não estejam presentes aqueles que você gostaria. Olhe para o lado e receba o amor que vem do outro. O amor cura as nossas feridas. O amor que recebi me ajudou a enfrentar os dias ruins. E, como me mostrou o homem ao farol, seja mais generoso com os outros, mas, especialmente, com você mesmo: respeite o seu tempo de superar as suas dores.