Cuidado. Pode ser amor

Cuidado. Pode ser amor

Se eleito flor, reggae me. Prometo colorir o silente jardim dos teus olhos com pétalas adocicadas de luz e claves de sol. Hei de esparramar música, sementes, toras, seiva e raízes neste seu terreno fecundo. Duvido que haja amor melhor no mundo por tanto tempo amortecido. Atenção, dormentes órgãos do sentido: ajam depressa; façam para mim algum sentido! Santo de casa não opera milagres. Ao contrário, endiabrado lacera-me o peito com fincas de sal forjando fissuras por onde jorram os tais coágulos de ressentimento.

Considera devotar mais tempo a ti mesma nas próximas eleições da tua vida. Para quem não crê no acaso, errar é sempre uma escolha malsucedida. Eu só tropeço durante o ocaso, em caminhos que eu mesmo traço. Eu adestro as pedras, mas, ando sentindo um troço ruim aqui dentro. Acho que é o coração cansado de escoicear, de dar pinotes, ávido por estilhaçar as janelas do peito e fugir a pé com as mãos abanando. Deus não dá asas, mas, cobra.

Da próxima vez, redobra os cuidados, tenta com um pouco mais de ternura, faze a coisa toda de outro jeito: vota no vate, garota. Evita que tanto concreto cotidiano endureça as palavras na garganta das tuas veias frias, transtornando-as, transformando-as num cano sinuoso e rígido por onde escoa esgoto de mágoa. Se todos fizessem uma única rima, por mais pobre e risível, seria razoável até mesmo ao homem mais rico, soberbo e inflexível, acreditar que com poesia se mudaria o mundo. Não penso em me mudar daqui. Não almejo levantar dinheiro para me mandar do país onde nasci. Manda quem fode, obedece quem já perdeu o juízo. Carrego uma dívida impagável com os meus antepassados, homens e mulheres que venceram a solidão, a cólera e o pavor da morte súbita durante um parto domiciliar duelado sob luz de velas.

Quisera brindar em tributo ao teu corpo com uma taça de carménère. A vida é curta. Teus cílios longos são velas abertas acenando na suave brisa. É o mar de amar. É a chaga do desejo que nunca cicatriza. Vive de acordo com as tuas convicções. Visando à bonança, colhe com suavidade as tuas tempestades particulares. Quem já beijou a lona nunca esquece o gosto amargo dos lábios da queda. Quem já patinou na lama sempre se assombra ao lembrar como era tolo ser criança aos olhos de um adulto. Pois digo e reafirmo que vivi os meus melhores momentos na chuva. Foram tempos em que eu brincava de viver sem me importar com o barro, com os resfriados ou com a minha mãe gesticulando, esbravejando conchavos irresistíveis da janela verde de casa, como se fosse possível que eu saísse já daquela chuva e deixasse de ser menino para sempre.

Se eleito flor, reggae me com cuidado. Pode ser o amor.