A velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre

A velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre

A velhice costuma trazer com ela combinações terríveis como, fraqueza nas pernas e vista curta para ver os declives, fraqueza nos ossos e predisposição para quedas e quebraduras, necessidade de remédios caros e pouco dinheiro, muita experiência e pouca diligência, muitos fatos acumulados e overdose de esquecimento. Quando o velho teve uma vida prudente e estratégica, e acumulou bens, olhando de longe, parece uma situação mais confortável. Visto de perto o drama é o mesmo: muito dinheiro para comprar comida, mas impedido de comer pela diabetes ou colesterol alterado, muitos convites para festas e nenhuma disposição para festejar. Sem contar que a família fica torcendo pela sua morte, para avançar sobre a herança. Diz o senso comum que a única fórmula de não envelhecer é morrer novo. Circunstância que quase ninguém deseja.

Philip Roth cravou em seu livro “Homem Comum”: “A velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre (…) acontece quando você está mais fraco e mais impossibilitado de enfrentar a luta como antes”.

Sidrack de Thorteval Gahy, protagonista de “A Centopeia de Neon”, romance que publiquei em 1992, sofre uma inflexão na vida após constatar que “Ao trabalho todo mundo sobrevive, mas ninguém sai vivo da aposentadoria”. A partir dessa virada ele toca o foda-se, que é a trama do romance.

Dos tempos de minha adolescência para traz, vida de velho era diferente. Acho que não era melhor, mas era diferente. O lado positivo era o de que os velhos eram o repositório da experiência e do conhecimento. Era razoável que fosse assim. A vida mais simples e as ferramentas de uso imediato eram perenes e imutáveis, e o conhecimento acumulado pelo idoso tinha um valor realmente prático. Um velho que soubesse manejar com destreza, por exemplo, um martelo, um prumo ou um cepilho, podia passar essas habilidades a seu neto com segurança. Porque o uso dessas ferramentas vinha de antes do Império Romano e dava pinta de que continuaria até o fim dos tempos. Um velho, com base em suas experiências, poderia ensinar a um jovem como aplicar seu dinheiro para vir a ser um sujeito bem de vida. O ancião, como o ancião bíblico, era o camarada que detinha a sabedoria e a palavra certa para o momento incerto.

Essas circunstâncias mudaram drasticamente. Conhecimentos de velho são obsolescências. Ninguém quer saber deles. As ferramentas são evolucionarias, quando não disruptivas. Hoje é mais importante a capacidade de esquecer do que de lembrar. É preciso ter espaço vazio na cabeça para aprender a manejar as novas ferramentas digitais e de inteligência artificial. Qualquer criança de 7 anos domina mais as ferramentas do dia a dia, do que qualquer idoso. Quem perguntaria ao ancião da família ou da comunidade, qual moeda digital vai dar um salto nos próximos dias? Quem perguntaria ao vovozinho qual o melhor modelo de iPhone? Qual neto perguntaria ao avô onde estão as melhores casas de encontro? Ou de alcouce, como se dizia antigamente? Na minha adolescência, nas famílias mais bem-arranjadas, era comum o avô levar o neto ao bordel e apresentar a dona ideal para o seu primeiro relacionamento.

Antigamente velho tinha conhecimento e prestígio. Mas não tinha aposentadoria. A não ser alguns raros, egressos do Serviço Público Federal, especialmente do ferroviário. Os velhos geralmente levavam vida frugal nos limites da precisão. Quando ficava caduco e dissipava a sabedoria, a família torcia para o velho morrer logo, para livrar-se do peso. A aposentadoria no Brasil universalizou-se a partir da Constituição de 1988 e, até quem nunca tinha contribuído, como os trabalhadores rurais, tiveram a chance de se aposentar. A mesma constituição estabeleceu o Sistema Único de Saúde, independente de contribuição. Em 2003 veio o Estatuto do Idoso para garantir uma série de melhorias e preferências. Com essas coisas veio o eufemismo “melhor idade”, para encher a bola dos velhinhos com autoestima.

Mas toda melhoria traz uma ruindade junto. O costume da adolescência tardia e outros hábitos de dependência, inclusive química, mais o desprestígio imposto pelas novas ferramentas, praticamente anularam as melhorias trazidas pelos novos direitos. A saúde pública esticou sensivelmente a vida média da população. O velho tem mais tempo para sofrer. Os velhos de hoje em dia são os alvos preferenciais dos hackers que vivem entrando em suas contas bancárias, fazendo empréstimos fraudulentos. Quando não são os hackers, são os meliantes da própria família que rapelam os velhinhos e as velhinhas, deixando os pobres coitados numa situação de penúria, quase igual a de antes da adoção da aposentadoria. Em algumas famílias, os velhinhos são cuidados apenas com o intuito de prolongar o tempo da aposentadoria. Nas famílias com dependentes químicos, os velhinhos sofrem exploração predatória.

Há quase 2,5 mil anos, Platão já havia constatado: “Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência”. François La Rochefoucauld, no século 17, afirmava que “A velhice é uma tirania que proíbe, sob pena de morte, todos os prazeres da juventude”. Parafraseando Cormac McCarthy, continuamos num mundo onde definitivamente os velhos não têm vez.