Coisas simples da vida que trazem felicidade verdadeira

Coisas simples da vida que trazem felicidade verdadeira

Quem sou eu para dar conselhos? Se tivesse credibilidade e cacife suficientes, não os daria, vendê-los-ia, cheio de gestos, mesóclises e as piores das intenções. Não se enganem, o inferno está lotado de escritores gente-boa; as academias de letras, também. Riam para eu não chorar. Nos últimos tempos, tenho carregado sobre os ombros o pesado fardo do desencanto. Aliás, a minha verve literária tende mais para o estorvo do que para a autoajuda. Alguém aí, por favor, me atrapalhe a viver errado.

Adocemos, então, e em tempo, o verbo, pois, segundo dizem, as palavras têm poder. Stephanie de Mônaco, aqui estou, inteiro a seu dispor! Gostava muito de ouvir “Olhar 43”, do RPM. Também sentia um amor platônico pela princesa. Tolices juvenis de um adolescente terceiro mundista, vocês sabem. Gostava dos bolachões rodando na vitrola, de tocar o Chico na viola e de sonhar com menina tímida da escola. Numa escala de 0 a 10, em matéria de fantasia e de construir rimas pobres, eu quase sempre tirava nota máxima, uma lástima de menino virando homem. O tempo voa, passarinhos, até os dias bicudos.

Partindo do pressuposto poético de que é melhor ser alegre que ser triste, que a alegria é a melhor coisa que existe, solicitei aos amigos que me descrevessem, sucintamente, cenas cotidianas simplórias que os deixassem contentes. Esperava me contagiar com os micróbios da felicidade. E não é que sucedeu o amor quando eu mais esperava? Foi assim que eles me responderam, numa avalanche de positividade, colocando um bocado de poesia no paladar amargo desses dias.

Cheirar um livro. Tirar o gesso. Comer com colher. Raspar a panela. Pintar o rosto. Fazer palhaçada no hospital do câncer. Declamar um poema. Esvaziar a bexiga. Ouvir o silêncio. Quebrar onda. Dormir numa rede. Receber uma pessoa amada na área de desembarque. Ir ao cinema. Namorar no carro. Pedalar pelo campo, carregando o seu benzinho no guidão da bicicleta, como se fosse o Butch Cassidy. Comer pudim. Arroz com feijão. Fritar um ovo sem quebrar a gema. Gemer sem sentir dor. Comer pizza com as mãos. Comer fruta no pé. Ensinar o filho a dar nó no cadarço. Doar sangue. Tomar vinho. Tomar banho de chuva. Tomar o rumo de casa, depois de um dia exaustivo. Gargalhada de nenê.

Jardinagem. Pequenas tarefas de carpintaria. Pagar uma dívida. Demitir-se de um péssimo emprego. Acarinhar cachorro de rua. Lavar o carro. Dar banho no pai. Colo de mãe. Deitar-se no gramado e mirar o céu lindo-que-tá-danado até encontrar a solução para um problema que parecia insolúvel. Café coado pela vó. Ouvir o filho cantando no chuveiro. Ganhar abraço de criança. Colar figurinhas a quatro mãos. Tocar um instrumento. Tocar em frente por uma trilha na mata. Banho de cachoeira. Viajar de moto. Sentir o vento a desgrenhar os cabelos. Pescar peixes, ao invés de homens. Vestir-se com simplicidade. Escalar um corpo até atingir o orgasmo. Visitar Machu Picchu. Abrir o envelope e ler o resultado de um exame, escrito em letras garrafais: NEGATIVO.