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Fábula adolescente dos anos 2000 retorna à Netflix com a dose exata de leveza Divulgação / Fox 2000 Pictures

Fábula adolescente dos anos 2000 retorna à Netflix com a dose exata de leveza

A primeira impressão deixada por “Aquamarine” é a de um produto moldado com rigor para um público específico, quase como se cada cena tivesse passado por um filtro que elimina qualquer risco narrativo. A história se inicia com Claire, interpretada por Emma Roberts, e Hailey, vivida por JoJo, duas amigas que lidam com a iminência de uma separação imposta por uma mudança para outro país. Esse deslocamento emocional funciona como base para a chegada inesperada de Aquamarine, a personagem de Sara Paxton, que surge após uma tempestade e altera a rotina das duas adolescentes. A entrada dessa figura marítima não se organiza como um convite à fantasia descontrolada, mas como um elemento de tensão moderada, pois o roteiro a utiliza para questionar o que cada uma está disposta a preservar quando o afeto se torna instável.

A movimentação inicial do filme, porém, sofre com escolhas que alongam excessivamente o percurso até que o enredo realmente encontre um eixo sólido. A lentidão das primeiras sequências produz uma sensação de espera que não se traduz em construção dramática, apenas em adiamento. Ainda assim, a tríade de protagonistas começa a adquirir forma quando Aquamarine expõe sua condição: precisa provar ao pai que sabe amar um humano em três dias. Esse objetivo desencadeia a aproximação com Raymond, o jovem salva-vidas interpretado por Jake McDorman, por quem as três nutriram algum tipo de fantasia adolescente. O interesse de Aquamarine, por mais ingênuo que pareça, cria conflitos que ultrapassam a mera disputa romântica, revelando como Claire e Hailey usam essa situação para lidar com a própria insegurança diante da partida iminente.

A dinâmica entre as personagens e suas limitações

O filme se sustenta melhor quando concentra energia nas relações entre Claire, Hailey e Aquamarine. Nesse ponto, a narrativa ensaia um amadurecimento mínimo ao transformar uma figura mitológica em catalisadora de pequenas tomadas de consciência. A atuação de JoJo se destaca justamente porque ela constrói Hailey como alguém que encontra no contato com a sereia um meio de reorganizar sua frustração e sua resistência ao que não controla. Já Emma Roberts, apesar de competente, não consegue atribuir a Claire a densidade emocional sugerida pela trama. Sua composição hesita entre introspecção e exagero gestual, sem atingir um equilíbrio satisfatório. Em contraste, Sara Paxton executa Aquamarine com uma leveza que dá mais credibilidade ao tom fantástico do filme, compensando diálogos que oscilam entre o ingênuo e o previsível.

Mesmo que o vínculo entre as três personagens seja o aspecto mais consistente do longa, isso não impede que a estrutura apresente falhas claras. As cenas situadas em ambientes como o shopping, o restaurante ou a casa de Claire funcionam como episódios isolados, quase independentes do fluxo dramático. O problema não está na variedade dos cenários, mas na falta de consequência narrativa após cada situação. Algumas dessas passagens chegam a sugerir uma sensibilidade maior, como o momento em que Aquamarine tenta compreender o que os humanos consideram amor, mas o filme evita aprofundar o tema para não romper com o ar leve que busca manter a todo custo. O resultado é um conjunto de sequências que entretêm, mas deixam a impressão de que poderiam avançar mais na dimensão afetiva prometida pelo início da história.

A construção final e a ideia de afeto adolescente

Quando a trama se aproxima do desfecho, torna-se evidente que “Aquamarine” não pretende romper com o conforto do previsível. A relação de Aquamarine com Raymond não possui força suficiente para determinar o conflito central, e o enredo se desloca para outro ponto: o reconhecimento de que o vínculo entre Claire e Hailey tem mais impacto emocional do que qualquer romance passageiro. Essa escolha narrativa, ainda que esperada, revela um entendimento mais pragmático do que significa amadurecer. A decisão de Aquamarine de aceitar que seu suposto amor não se sustenta diante da ausência de reciprocidade é conduzida sem dramaticidade excessiva, como se o filme reconhecesse que idealizações fazem parte do crescimento, mas não definem a vida de forma definitiva.

A resolução enfatiza que a amizade entre as duas adolescentes e a figura da sereia opera como metáfora de um processo simples: aprender a abandonar certezas frágeis e compreender que alguns medos só se dissipam quando confrontados diretamente. O longa alcança um grau moderado de graça e funcionalidade quando se permite essa honestidade, sem tentar atribuir ao universo juvenil profundidades que nele não cabem. Ainda assim, trata-se de um projeto que parece sempre evitar escolhas mais contundentes, preferindo permanecer na segurança de uma narrativa suave e organizada em torno de pequenos conflitos. O resultado final não é marcante, mas serve como registro de uma fase da vida em que o afeto se confunde com fantasia, e a fantasia, por sua vez, se torna uma forma breve de entender o mundo.

Filme: Aquamarine
Diretor: Elizabeth Allen Rosenbaum
Ano: 2006
Gênero: Comédia/Fantasia/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.